A expansão do corço no território português é uma realidade, confirmada pela presença do pequeno cervídeo e
em territórios consideravelmente afastados dos principais núcleos populacionais. A sua caça também é uma
realidade e já despertou o interesse de muitos caçadores. Agora cabe às entidades gestoras fazerem o seu trabalho.
A região espanhola da Galiza ficou conhecida pela abundância de corços, e durante mais de uma década tornou‑se o destino principal de muitos caçadores lusos apaixonados pela caça ao Duende dos Bosques, principalmente para os que residem no norte de Portugal. No entanto, toda essa região do norte de Espanha, até à Cordilheira Cantábrica, tem vindo a registar um decréscimo significativo das suas populações “corceras”, dando lugar a uma importante escassez da espécie em alguns locais. Essa diminuição de corços no norte peninsular é dada principalmente por dois motivos, relacionados entre si: o aparecimento da mosca conhecida como Cephenemyia stimulator e o descomunal aumento das populações de lobos. Podemos afirmar que os dois motivos estão relacionados porque a predação dos lobos incide em maior número sobre os exemplares afetados pela mosca, que deposita as suas larvas nas vias respiratórias do cervídeo, obstruindo‑as e dificultando em grande medida a sua principal defesa frente aos ataques do grande predador: a fuga. Portanto, a coexistência entre o parasita e o lobo tem afetado consideravelmente as densidades de corços, já que as larvas da mosca não provocam a morte por sufocamento – como todos os parasitas, necessita do seu hospedeiro – mas torna o corço uma presa mais fácil para o lobo, principalmente quando as larvas se transformam em pupas com tamanho suficiente para obstruir as vias respiratórias do cervídeo.
O efeito predador das raposas
Embora o lobo seja o principal predador do corço, principalmente na Cordilheira Cantábrica, não se deve negligenciar a predação causada tanto pelas raposas como pelos cães assilvestrados, principalmente depois do aparecimento da mosca. A raposa, pelo seu tamanho, em condições normais não poderá enfrentar um corço como o lobo, no entanto temos de recordar que um corço afetado pela obstrução das vias respiratórias causada pelas larvas se encontra diminuído e assim uma presa mais fácil para este astuto predador. Quanto à predação causada pelos cães assilvestrados, que em condições normais também pode ser reduzida, poderá resultar na captura de alguns exemplares por ano em populações do cervídeo afetadas pela mosca. A presença dos canídeos de origem doméstica também poderá alterar o comportamento dos corços, principalmente no período mais crítico das parições. Os corços recém‑nascidos são animais que apenas se defendem com a imobilidade e mimetismo, não tendo qualquer capacidade de fuga e tanto as raposas como os cães assilvestrados podem tornar‑se importantes predadores nesse período do ano.

A ação humana
Claro que não podemos esquecer as ameaças causadas ao corço pela ação humana que como em diversos cenários na natureza é responsável pela sua alteração, em alguns casos positiva e em outros, o que é mais preocupante, negativa. A necessidade de controlo populacional para fazer face aos prejuízos causados pelo pequeno cervídeo é uma realidade em muitas zonas, no entanto tem‑se verificado a total inexistência de censos populacionais efetivos e quase sempre, nessas situações, se verificam abates descontrolados. Outro ponto importante para as entidades gestoras das zonas de caça é o aspeto económico que resulta de uma procura considerável pela caça ao corço. Sendo realistas, a maioria das zonas de caça não tem condições para oferecer mais do que quatro ou cinco corços por ano, que devem ser criteriosamente selecionados. Cada zona também deve escolher com o mesmo rigor os períodos de caça, sob pena de comprometer a época reprodutora para a espécie. Todos estes problemas já fazem parte do dia‑a‑dia das zonas de caça na Galiza Cordilheira Cantábrica, e dada a similaridade da maioria dos fatores, será de esperar que, mais cedo ou mais tarde, os gestores das zonas de caça lusitanas onde se regista uma relativa abundância de corço tenham também de enfrentar os mesmos desafios.