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Sempre foi tema de discussão a influência do comprimento do cano das carabinas na precisão de tiro. Não é que seja algo sem importância, mas atribui‑se a essa medida mais do que ela pode influenciar na referida precisão.
Vamos começar por definir a função principal do cano de uma arma, neste caso de alma estriada, que é encaminhar o projétil da munição alojada na câmara até ao alvo que visamos. Mas o cano tem ainda outras funções. Em primeiro lugar temos que considerar que o cano é o elemento da arma com maiores dimensões e que contribui consideravelmente para o peso final da
mesma. Ora tendo em conta esta consideração, será fácil e lógico deduzir que o cano contribuirá igualmente para a estabilidade e equilíbrio da arma desde o momento de a encarar, passando pelo processo de pontaria e até ao disparo. O comprimento do cano terá ainda influência no transporte da arma, na sua portabilidade, e inclusive na escolha de determinadas posições de tiro. Todas estas razões e algumas mais, que iremos comentar mais à frente, são as que habitualmente consideramos quando adquirimos uma carabina de caça. Por outro lado, para a maioria uma arma de caça não é apenas um objeto utilitário, mas também um artigo de luxo, para desfrutar e apreciar, definitivamente, tem de corresponder aos nossos gostos e caprichos. Os caprichos nas sociedades modernas e desenvolvidas são “necessidades” criadas por modas,
pela economia e pelo marketing e, portanto, influenciadas pelo mercado e conceitos comerciais. E as modas podem ser criadas por influência (e “influencers”) de muita coisa que não aquilo que necessitamos objetivamente.
Um cano longo
Temos praticamente seguro que muito poucos leitores gostarão de ver uma arma com cano longo, primeiro porque não é esteticamente bonito; segundo, porque torna a arma menos prática de manusear e apontar; por último, porque se torna mais desequilibrada (“cabeçuda). A prova disso é que uma arma que poucos têm, mas que a maioria gosta é a carabina de alavanca (Lever Action), que tem um estilo muito próprio, mas que parece sempre “fácil de levar”. Estas carabinas foram concebidas no final do século XIX com canos mais longos devido às características dos calibres disparados, mas rapidamente foram “encurtando” os seus canos à medida que não precisavam de tanto comprimento para queimar suficiente pólvora para que o calibre desenvolvesse as necessárias prestações. Claro que também foram ficando mais curtas por motivos estéticos.
Razões balísticas
Mas entramos precisamente onde queremos; as razões balísticas. Considerar que em quase meio século nada tenha mudado é do mais insensato que se possa pensar. Calibres como o 8×57 IS, o .30‑06 Spring., o .375 H&H Mag. e outros que têm mais de um século, passaram por uma evolução significativa resultante da evolução dos componentes das munições: pólvoras, fulminantes e projéteis. Existem regras “padrão” tanto para os calibres Magnum como Standard; para os primeiros o comprimento padrão é de sessenta e seis centímetros (26 polegadas), enquanto para os segundos é de sessenta centímetros (24 polegadas). Foi com base nestes comprimentos de canos que foram desenvolvidos muitos dos calibres existentes. O que se passou foi que as pólvoras de hoje (e de há algum tempo) são mais progressivas do que as utilizadas nas primeiras décadas do século XX, conseguindo imprimir aos projéteis as mesmas velocidades iniciais num cano mais curto. Estas pólvoras
mais modernas necessitam de fulminantes mais enérgicos, mas isso foi algo que os fabricantes de munições rapidamente resolveram. Por outro lado, o aparecimento de calibres que usam invólucros mais curtos – que aproveitam melhor a queima da pólvora – permitiu aos fabricantes de armas optar por canos mais curtos. A possível perda de velocidade dos projéteis, ao serem disparados por canos mais curtos, cinco ou dez centímetros mais curtos, não é significativa; ou seja, falamos de vinte a vinte e cinco pés por segundo (6,1 a 7,6 m/s!) por cada polegada a menos de cano nos calibres Standard e trinta a trinta e cinco pés por segundo (9,1 a 10,7 m/s) nos calibres Magnum. Sobretudo com a eficácia balística que os modernos projéteis apresentam, tanto exterior como terminal. Também sucede que normalmente se utilizam calibres de maiores prestações para determinadas condições de caça, exigindo‑se um “extra” de velocidade e energia. Por exemplo, vamos considerar uma carabina de calibre .300 Winchester Magnum; pode perfeitamente contar com um cano de 53 centímetros de comprimento
(numa semiautomática, p. ex.) destinada a caçar em montaria, pois não nos causará grande problema a perda de uns Joules em disparos a 100‑200 metros; por outro lado, se o nosso objetivo é caçar um alce (com mais de 400‑500 quilos), por exemplo, com disparos que podem facilmente exceder os 300 metros de distância, então o melhor será contar com todos os Joules que o calibre nos possa dar e vamos optar por um cano de comprimento adequado (60 centímetros, pelo menos).
Realidade prática
Portanto, esperamos ter conseguido descansar todos os que têm carabinas de calibres Magnum com canos curtos e que lhes fazem acreditar que estão a perder eficácia. Se esse “encurtamento” está dentro do que é atualmente comum para tal calibre, podem ficar descansados! Eis uma história (verídica) curiosa. Durante a Segunda Guerra Mundial os norte‑americanos fizeram
vários testes sobre o comprimento de cano ideal para o calibre .30‑06 Sprg., observando se era queimada toda a pólvora que
esse cartucho (a que chamamos calibre) levava. O resultado desses testes ditou que o comprimento ideal, para a queima total da pólvora, era de 84 polegadas (!), ou seja, aproximadamente dois metros e dez centímetros!! Apenas às 85 polegadas se verificava uma perda de velocidade (devido ao projétil continuar no cano após a queima total da pólvora). Claro que se tornava inviável dar aos militares uma espingarda de assalto com dois metros e tal, e falamos de uma perda de cerca de 200 pés por segundo (aprox. 61 m/s) de velocidade inicial do projétil (medida à boca do cano). A decisão foi equipar a espingarda
de assalto semiautomática Garand com canos de sessenta centímetros. Há caçadores que creem nas tabelas balísticas dos fabricantes de munições como se fossem Os Evangelhos, mas na realidade não são, porque no mundo real essa informação (que consta nas caixas das munições) apenas servem como uma orientação. Pior ainda é quando esses mesmos caçadores
“especialistas” em balística começam com cálculos e teorias pitorescas, sem saber que os dados dessa informação fornecida são o resultado de determinadas condições emanadas por cada fabricante e, por vezes, muito alheadas das situações práticas de tiro na caça. Sabiam que muitos fabricantes utilizam canos específicos de teste em banco de ensaio? Pois isto nada tem que ver com uma carabina de caça. A única forma saber a velocidade alcançada por um projétil à saída do cano da nossa carabina é medi‑la, para isso utilizamos um cronógrafo. O valor medido poderá ser comparado com o referenciado pelo fabricante e então ficamos com uma noção clara das prestações do nosso conjunto arma/munição.
Considerações
Se os nossos tiros ficam entre os 0 e 300 metros, com as modernas armas de caça e munições pouco nos temos de preocupar. A partir daí… a história é outra e na maioria dos casos a sorte tem um grande peso no resultado final. Esta é a primeira consideração. A segunda consideração é que não devemos complicar, nem na vida e muito menos na caça, com cálculos e teorias estranhas. Será mais importante estarmos seguros no processo de disparo do que contar com mais uma polegada de cano!
Mas as carabinas de competição são mais compridas?
Sim, é verdade. Mas na maioria dos casos, pelo menos nas carabinas modernas destinadas a tiro de precisão, esse comprimento extra é conseguido através do recurso de um prolongador de cano, que não é mais do que um “postiço” (de diâmetro consideravelmente maior do que alma do cano e, portanto, sem estrias – e sem “agarrar” o projétil) de modo a aumentar a distância entre miras (diopter/ponto de mira). Deste modo o alinhamento entre miras e alvo é mais preciso e assim se ganha em precisão de tiro, sem qualquer influência na velocidade do projétil.