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O safari dos gigantes

by Redação

Amboseli fica junto à fronteira com a Tanzânia e tem como ‘pano de fundo’ o majestoso Kilimanjaro, a paisagem da grande planície, salpicada de acácias, aos pés da montanha, é a imagem clássica do Continente Negro. Mas majestosos são também alguns dos Elefantes que vagueiam por ali. Esta região sempre foi conhecida por ter grandes Elefantes, em 1898 foi aqui caçado o maior de que há registo, com presas de 226 e 214 libras. Os genes desses gigantes ainda lá estão e é possível encontrar em Amboseli, alguns Elefantes bem acima das 100 libras.

Texto : João Corceiro

Fotos: @liciniaphotography

Os “super tuskers”

O nosso Safari não podia começar melhor, logo na primeira tarde avistámos um desses gigantes. O condutor que nos acompanhava disse-nos que tínhamos tido muita sorte, porque naquela altura do ano os “super tuskers”, cinco deles identificados pelo nome, normalmente não estão no parque, porque procuram comida noutras áreas com mais vegetação. Disse-nos também que iria falar com alguns Masai para tentar saber do paradeiro de algum deles e se quiséssemos poderíamos procurá-los. Para grande surpresa nossa, no dia seguinte disse-nos que o maior de todos, o Graig, com presas que se estima tenham mais de 140 libras cada uma, tinha sido visto recentemente numa área de conservação comunitária, próxima do parque. Nessa mesma tarde fomos procurá-lo, apenas na companhia de dois pastores Masai. Ao fim de pouco tempo saímos do jipe e começamos a seguir o rasto de dois Elefantes numa zona de arbustos densos, um deles tinha uma grande pegada… Não tardou muito em encontrá- los e avistámos logo o Graig, o animal mais extraordinário que alguma vez vi na minha vida. Chegámos a estar a menos de dez metros e a Licínia conseguiu algumas fotografias espantosas! Mas a nossa relação com o Graig não acabou por ali. Na manhã seguinte, acompanhados pelos dois Masai, voltámos a procurá-lo a pé e demos de novo com ele, numa mata de acácias com o Kilimanjaro ao fundo… Ainda nos aproximámos mais e quando o Graig passou a menos de dois metros de nós, mantendo sempre uma atitude tranquila, foi como se tivéssemos chegado à Lua. Estar tão perto deste “Bom Gigante da Savana”, como lhe chamou o meu amigo Luís Pedro de Sá e Mello, foi um momento incrível que ficará para sempre connosco! O Quénia, o berço dos Safaris, conseguiu superar todas as expectativas, criadas desde muito cedo na minha vida. O primeiro filme que vi no cinema, há quase cinquenta anos, foi “Born Free”, a história de uma leoa, a Elsa, passada naquele país. Os descendentes da Elsa também não nos desiludiram, vimos alguns Leões extraordinários ao longo deste Safari. A caça não é permitida no Quénia desde 1977, apesar disso tenho que tirar o chapéu a este país, o modelo que adotou para preservar a vida selvagem, envolvendo as comunidades locais e o turismo, resulta muito bem num país onde o acesso aos parques nacionais é muito fácil.

O antílope mais bonito do mundo

Mas sou caçador e continuo a pensar que a caça é uma das melhores ferramentas para a gestão e conservação da vida selvagem, sobretudo noutros contextos. A África do Sul segue o princípio do uso sustentado dos recursos naturais e não é por isso que tem menos sucesso na conservação da sua fauna. Há dois anos cacei um Roan com o George e tinha ficado a promessa de que um dia caçaríamos uma grande Palanca Negra. Estávamos no início da estação das chuvas, apesar de não ser a melhor altura do ano para caçar, resolvi aproveitar esta oportunidade e regressar ao Limpopo para tentar tornar realidade um dos meus maiores sonhos… A Palanca Negra Gigante, ou Palanca Real, é para mim o antílope mais bonito do mundo. Mas a Palanca Negra Comum, apesar de não ser real, foi sempre o antílope que mais desejei caçar, se possível um grande exemplar. Os melhores troféus têm sido caçados na Zâmbia e na África do Sul, por isso também estava no sítio certo… Este magnífico antílope foi visto pela primeira vez, por um europeu, a 15 de Dezembro de 1836. Foi William Cornwallis Harris o primeiro a registar o avistamento da Palanca, num relato bastante pormenorizado. Quando isso aconteceu, este inglês participava numa expedição de exploração ao interior da África do Sul, que durou cinco meses e em que catalogou cerca de quatrocentas novas espécies. O local desse avistamento foi uma zona montanhosa, a noroeste daquela que é hoje a cidade de Pretória, curiosamente bastante próxima da área onde decorreu a minha caçada. O nome que Harris escolheu, Sable, significa a cor preta na heráldica, a arte que descreve os brasões. Mais tarde os Boers haveriam de lhe chamar Swartwitpens, “o preto de barriga branca”, os portugueses chamam-lhe Palanca Negra, mas durante muito tempo também foi conhecido por Harrisbuck, em homenagem ao seu “descobridor”. Hippotragus Niger Niger foi o nome científico que lhe foi atribuído e significa antílope cavalo, devido à semelhança com esse animal e à cor. Quase oitenta anos depois, a 8 de Fevereiro de 1916, foi reconhecida a Palanca Negra Gigante, a que foi dado o nome científico de Hippotragus Niger Variani, por ter sido Frank Varian, o engenheiro chefe da construção do caminho-de-ferro de Benguela, quem fez um enorme esforço para dar a conhecer ao mundo esse animal fantástico, que existe em números muito reduzidos e numa área muito restrita, a Reserva do Luando e o Parque Nacional da Cangandala, em Angola. Mas isso é outra história e outra Palanca… A Palanca Negra, ainda existe em números razoáveis numa faixa do Atlântico ao Índico, que vai do sul de Angola, norte da Namíbia, Botsuana, África do Sul, Zâmbia, Zimbabué, Moçambique, Tanzânia e sudeste do Quénia. As Palancas são os antílopes mais agressivos de África, capazes de enfrentar o Leão. Num dos clássicos literários sobre o mato africano, o extraordinário “Jock of the Bushveld” de Sir Percy Fitzpatrick, existe um trecho notável que nos conta como uma fêmea de Sable defendeu a sua cria do ataque de uma Leoa. Não se trata apenas da imaginação romântica de um escritor, existem vários relatos que confirmam este tipo de episódios. Há alguns anos, ocorreu em Moçambique a morte de um caçador que se aproximou de um Sable ferido. Mais recentemente, e também em Moçambique, um amigo meu sofreu a carga de uma Pala Pala que julgava morta, valeu-lhe outro companheiro que estava por perto e conseguiu matar o antílope. Pala Pala é o nome que os moçambicanos dão ao Sable, foi em Marromeu que cacei a minha primeira Pala Pala há mais de quinze anos e onde vi as maiores manadas, uma delas com cinquenta e três animais.

Entre pastagens e espinheiras

Mas desta vez estava no norte da África do Sul, numa zona de chanas e liputas, as primeiras, pastagens abertas, as segundas, matas muito fechadas cheias de espinheiras. Logo na primeira tarde saímos para caçar, o nosso objetivo era a Palanca Negra e até o termos concretizado não caçaríamos outros animais. Duas horas depois de iniciarmos a nossa busca, encontrámos uma manada com doze animais, três deles machos. O maior seria um bom troféu em qualquer parte, mas o George e eu queríamos melhor. Continuámos a nossa procura e quase ao pôr-do-sol, descobrimos numa chana um macho solitário, era uma Palanca Negra magnífica com cornos longos, perto das quarenta e cinco polegadas de comprimento, mas o George dizia-me que tínhamos muito tempo para procurar um maior!… Voltámos ao acampamento e depois de um banho retemperador e de um bom Gin junto à fogueira, jantei com o George, a sua mulher Genie e os filhos trigémeos, a Catherine, o Rudolph e o Andrew, de cinco anos, as crianças mais felizes que conheci! O dia nasceu nublado e fresco, ainda assim as rolas e os pombos davam o seu melhor para o concerto da alvorada, enquanto eu bebia o meu primeiro café. O plano do George era irmos até uma zona com algumas mulolas ou dambos, que são áreas alagadiças, junto ao rio Marico. Este rio, a que os indígenas chamam Madikwe, é a fronteira com o Botsuana, poucos quilómetros mais à frente junta-se ao rio Crocodile e a partir daí chama-se Limpopo, passa pelo Zimbabué e mil e setecentos quilómetros depois desagua na costa moçambicana, um rio que me trás sempre recordações de boas caçadas! Ainda estávamos no jipe quando começou a chover e meia hora mais tarde chegámos à zona onde o George esperava encontrar uma Palanca muito grande que já tinha visto noutras ocasiões, às vezes do outro lado da fronteira. O Sable é um animal muito territorial e por isso é sempre boa ideia procurá-los nos locais onde foram vistos antes, sobretudo ao fim da tarde ou ao início da manhã, as horas em que são mais ativos… A chuva caía cada vez mais forte e quando chegámos perto da mulola o jipe já derrapava na lama, não tardou muito a avistarmos uma mancha negra, a cerca de meio quilómetro. Era um macho ainda jovem, de repente, a poucas dezenas de metros dele, apareceu por entre as árvores aquilo que procurávamos, a maior Palanca Negra que alguma vez vi no mato… A mulola estava rodeada de uma mata aberta com árvores altas, onde ainda nos encontrávamos. Do outro lado dessa área, também na orla da floresta, estavam as duas Palancas. Chovia cada vez com mais intensidade e resolvemos esperar dentro do jipe, com a chuvada as Palancas não iriam longe, entretanto íamos avaliando aquele animal magnífico, com a ajuda dos binóculos. Com o pelo molhado parecia ainda mais negra, era sem dúvida uma Palanca com um troféu espetacular, uns cornos com um arco bonito, altos e com uma grande abertura entre pontas, certamente com mais de quarenta e cinco polegadas de comprimento! Aguardámos um bocado, a chuva continuava a não dar tréguas, o George e eu estávamos claramente impacientes e a Palanca estava a menos de duzentos metros do rio, a tal fronteira com o Botsuana… Saímos do carro para tentar a aproximação, usando a mata para nos mantermos escondidos. Não havia vento e a lama estava bastante escorregadia, mas permitiu-nos caminhar em silêncio e seguir o rasto facilmente, as pegadas das Palancas em forma de coração são inconfundíveis. Chegámos junto ao rio e estávamos a pouco mais de cem metros da nossa presa, quando a voltámos a ver. A minha excitação perante um animal daqueles era grande, tentei manter a calma. Também queríamos filmar a caçada, tive a Palanca duas vezes de flanco e apontada, mas o George estava com dificuldade em focar a câmara por causa da chuva. Esperei uma e outra vez até que tudo estivesse bem, enquanto contemplava através da mira aquela Palanca enorme e saboreava o momento… O macho foi-se aproximando de nós e quando chegou a cerca de oitenta metros parou de frente, tinha-nos visto, mas o seu caráter destemido fez com que ali ficasse sem fugir. O George sussurrou que estava tudo bem focado, eu tinha a mira centrada no peito do bicho e sem perder mais tempo disparei, a Palanca correu poucos metros e caiu morta…

Objetivo cumprido!

Aproximámo-nos por trás, com muito cuidado, mas aquela Palanca, com cornos que me pareciam gigantes, já era minha, um sonho de muitos anos cumprido, um dos melhores troféus que alguma vez consegui e certamente um dos mais desejados. Caçar uma Palanca não tem a dificuldade de uma caçada a um Elande ou a um Kudu, mas quem tem a sorte de caçar este antílope, fica “enfeitiçado” para sempre pela sua beleza! A chuva abrandou e tirámos as fotografias, entretanto descobri outro pormenor, a máscara desta Palanca é igual à da Palanca Negra Gigante, sem que a risca branca do olho chegue ao focinho, uma exceção que por vezes acontece com as Palancas na Zâmbia e na África do Sul. Fomos buscar o jipe e com muita dificuldade chegámos perto do animal para o carregar. Voltámos para o acampamento onde fomos recebidos por todo o pessoal, que veio ver o resultado da nossa caçada, a maior Palanca Negra alguma vez caçada naquela concessão! Com o nosso objetivo cumprido a partir dali o Safari prosseguiu de forma tranquila, sempre a caçar mas sem pressas. Numa das manhãs cacei um Steenbok muito bonito. A caça dos “Dez Pequeninos” é sempre um desafio diferente, o Steenbok é um deles, este pequeno animal é bastante abundante naquela zona e quando vi um a mais de seiscentos metros numa área aberta, pareceu-me logo um bom troféu. Consegui aproximar-me até aos duzentos metros, depois a grande dificuldade foi fazer um tiro certeiro, a essa distância a um bicho com pouco mais de dez quilos. Apoiei bem a arma, apontei, sustive a respiração, apertei o gatilho suavemente e o Steenbok caiu no sitio onde estava. No dia seguinte cacei mais uma Zebra no rasto e caminhando, com o George e o Samuel, um grande pisteiro com quem já tinha caçado. Tal como dois anos antes foi uma boa caçada, a nossa caminhada atrás de um grupo de oito zebras durou quase cinco horas, mas o Samuel nunca lhes perdeu o rasto, mesmo em matas de micaias muito fechadas. Esta zona da África do Sul é conhecida por Rooibokrall, o “curral das Impalas”, pela quantidade e qualidade destes antílopes, aproveitei os outros dias para caçar duas para fazermos iscos para tentar caçar uma Hiena Castanha, outro dos animais que podemos encontrar nesta região. Caçar Impalas em matas fechadas é sempre muito divertido. Caça-se à vista mas perdem-se com muita facilidade devido à vegetação, segue-se o rasto mas nem sempre se consegue. A melhor tática quando perdemos as Impalas de vista, é tentar adivinhar para onde vão. Depois jogando com o vento, afastamo-nos para um dos lados, sem as seguir diretamente e tentamos cortar-lhes o caminho mais à frente. O facto de estarem quase sempre em grupo, faz com que tenham várias sentinelas, também não é fácil caminhar sem fazer barulho neste tipo de matas, por isso as aproximações são quase sempre complicadas. Consegui caçar duas Impalas e numa das noites fiz uma espera às Hienas ao luar, mas não tive sorte. Como em muitas outras vezes a caçada ainda me reservava uma surpresa. Na última tarde regressávamos ao acampamento, quando o Samuel, mais excitado que o costume, mandou parar o jipe de repente. Disse-nos que tinha visto uma Impala muito grande, na orla de uma chana. Saímos do carro e aproximámo-nos a pé com o vento de frente e o sol nas costas, tentando ver se ainda estava no mesmo sítio. Descobrimos seis machos, um deles claramente maior que os outros, como se costuma dizer “os grandes parecem grandes…” Apoiei-me no tronco de uma acácia e com o “Impalão” quase a desaparecer na mata de micaias, fiz um tiro rápido e certeiro, que me deu a minha maior Impala de sempre. O Rooibokrall, voltou a ser muito generoso comigo… A semana chegou ao fim e foi um prazer estar com o George e a sua família. Às vezes criamos fortes laços de amizade com pessoas com quem passamos pouco tempo, porque temos muito em comum. Para mim foi um privilégio ser tratado por “uncle João” pelos três miúdos, que crescem num sitio fantástico, da mesma forma como eu cresci há muito tempo, também num sitio especial de que guardo memórias maravilhosas… Sobre esta “pequena expedição” a África resta-me dizer que “a minha terra” contínua a surpreender- me e a ser extremamente boa para mim. Ao longo dos anos vi milhares de Elefantes, nenhum tão grande como o Graig, vi também centenas de Palancas Negras e dezenas de milhares de Impalas, nenhuma maior do que aquelas que cacei. Este Safari em Amboseli e no Limpopo foi o “Safari dos Gigantes!”. Boas caçadas!

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