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Os deveres da linha de caça à perdiz; o ponta

by Miguel F.S.

Uma nova temporada e novas incertezas. Em outubro os caçadores de salto começam a percorrer os terrenos onde se espera abundância de perdizes; será que a temporada vai cumprir as suas expetativas? Essa é a principal questão na mente de quem prepara a sua época de caça. Mas desta vez não vamos abordar os problemas de gestão daquela que é a rainha da caça menor, a perdiz, mas sim a forma mais tradicional e atrativa de a caçar; a caça de salto em linha.

Acaça de salto em linha, aquela que junta uma equipa de caçadores que estrategicamente percorrem o terreno de modo a “entalar” as sábias perdizes selvagens. Hoje ainda há caçadores que integram essa mesma linha há anos, que sabem exatamente desempenhar o seu papel em tal equipa. E nessa equipa, o trabalho do “ponta” é sem dúvida dos mais exigentes.

A CAÇA EM LINHA

A caça de salto em linha às perdizes não consiste em avançar pelo campo disparando às peças que levantam à passagem dos caçadores, muito menos tentar a sorte com as perdizes que possam ser encontradas. Caçar em linha às perdizes é uma ação estratégica, em que a cada momento será necessário adaptar o ritmo, a distância entre armas e em que o trabalho de cada elemento da linha se torna fundamental para o sucesso do grupo. Trata-se de uma das formas de caça mais gratificantes porque, além de permitir desfrutar da caça em grupo, com amigos, permite a participação de caçadores de várias idades, em que os mais jovens podem receber ensinamentos dos mais veteranos. Cada um, com o seu empenho, estará ao serviço de todos. Na verdade, na caça em linha o resultado é o do grupo, nunca se devem fazer comparações particulares entre o número de peças cobradas por cada elemento.

O TRABALHO DA LINHA SEGUNDO O TERRENO

A linha deve manter-se elástica, adaptável, disposta a não se manter rígida no seu avanço, porque se não souber adaptar-se permanentemente ao terreno, ao que pede a situação, dificilmente obterá bons resultados. Uma das adaptações a considerar deve-se à possibilidade de se percorrer diferentes tipos de terreno, desde um olival, uma vinha ou um montado. A linha deve adaptar-se e ter em conta que nestes primeiros dias a perdiz se amagará com facilidade (sobretudo se há muita perdiz nova), pelo que abrir a linha em excesso em local de muito coberto vegetal, sem estar atento ao ritmo de avanço, poderá deixar muita caça entre as espingardas. O resultado é deixar caça para trás… e que seria fácil de cobrar. Em terreno aberto podemos abrir a linha, criando mais espaço entre espingardas para assim mover algumas perdizes para a frente. Portanto: terreno com mais resguardo para a perdiz, espingardas mais próximas; zonas mais limpas, a linha pode abrir.

CAPACIDADE FÍSICA E CONHECIMENTO

Partimos de um costume muito comum de que na “ponta da linha” deve ir o caçador com maior capacidade física, mais bem preparado, mais jovem, porque será a “ponta” a percorrer maior distância e assim a desenvolver um maior esforço. O objetivo da ponta é evitar que os pássaros na sua fuga saiam dos terrenos abarcados pela linha de caçadores. Por isso, esse caçador, na ponta da linha poderá ter de avançar com maior velocidade no terreno, estender o seu raio de ação, abrir ou apertar o passo conforme a caçada – e reação das perdizes – o exija. Por tudo isso, parece-nos acertado que ao “ponta” seja exigida capacidade física, mas não devemos esquecer que esse caçador tem também de ter um conhecimento notável do terreno e dos hábitos das perdizes nesse local, já que sem isso, uma corrida menos ou mais aberta, sem tocar nos pontos de querença, pode ter como resultado a saída das perdizes do terreno de caça definido pela linha. Recordamos que é fácil criticar o trabalho do “ponta” quando ocupamos o centro da linha e pensamos que essa espingarda não avança com a necessária rapidez ou que não abre o suficiente, mas se quisermos ser verdadeiramente proativos, em vez de quereremos ocupar esse lugar, devemos considerar se efetivamente temos os conhecimentos para o fazer. O trabalho da “ponta” não é apenas correr atrás das perdizes empurrando- -as para dentro da linha, há que saber fazê-lo e isso exige ter caçado nesse lugar e ter recebido ensinamentos. Um detalhe; o caçador na “ponta” deve procurar caçar o mais ligeiro possível, inclusive repartir as peças cobradas pelos restantes elementos da linha no caso destas criarem demasiado “lastro” quando há que ir a passo vivo atrás das perdizes.

ABRIR A PONTA, FECHÁ-LA…

Afirmamos que nem tudo é capacidade física, principalmente quando os terrenos são complicados e a densidade de perdizes não é tão elevada. Deve-se caçar sabendo analisar o que acontece no campo e o que os cães nos dizem. Há momentos em que a “ponta” deve reagir com rapidez ou será perdida a oportunidade de encaminhar um bando ou várias perdizes soltas para o resto da linha de modo a poderem ser atiradas e cobradas. Abrir a linha encerra sempre riscos, seja com muita ou com pouca caça no terreno; se há muita perdiz não damos por isso, pois sempre se vai atirando, mas ao abrir muito a linha facilmente deixamos muito espaço entre caçadores, ficando caça para trás. Se há pouca perdiz, ao abrir a linha também vamos diminuir a pressão sobre a caça, deixando pássaros amagados. Fechar a linha em excesso e de forma permanente poderá fazer sentido a meio da manhã e com muita caça levantada na zona, mas pra não deixamos caça para trás há que deixar os cães trabalhar, explorar o campo e ter uma estratégia muito organizada. Em ambos os casos, com a linha mais aberta ou fechada, o papel do “ponta” é crucial porque orienta o avanço da equipa. A decisão de abrir ou fechar a linha deve ser realizada pelo “chefe de linha”, inclusive por indicações de algum caçador que está vendo as perdizes escaparem ou ficarem no terreno sem levantar voo. Na caça de salto pode ser tão prejudicial abarcar demasiado terreno como o contrário, daí a necessária elasticidade no avançar da linha. Se o “ponta” está a ver as perdizes a sair fora do terreno coberto pela linha e decide abrir, deve avisar a espingarda ao seu lado. Isso é fundamental porque a linha deverá acompassar esse trabalho com um ritmo adequado para não deixar o caçador da ponta atrasado. Igualmente, se o “ponta” vê que está a deixar espaço entre si e a espingarda do lado porque o seu cão está a dar com perdizes que ficaram para trás, deve indicar que há necessidade de apertar e aplicar um ritmo mais lento.


“O MAIS NOVO FAZ A PONTA…”

Muitas vezes é o que acontece quando a linha é composta na sua maioria por caçadores de idade mais avançada, mas é preciso saber distinguir as opções. Primeiro; um caçador que se estreie nessa zona de caça facilmente deixará muito espaço entre si e os demais caçadores, principalmente se houver muita caça. Neste caso, será imprescindível colocar a regra de que apenas poderá “correr” à caça na sua frente ou para o lado da linha. Segundo; o ideal será colocar na “ponta” um caçador que conjugue o conhecimento da zona com boas pernas! Pode esse caçador com maior capacidade física nas zonas mais limpas abrir a linha e procurar colocar algumas perdizes para o interior da mesma, mas sempre com a sabedoria das suas querenças. A experiência é fundamental neste lugar da linha, assim como uma certa capacidade física. Logicamente, um caçador novo poderá fazê-lo quando disposto a aprender.

NA ABERTURA, MAIS FECHADA

Apesar do calor generalizado que quase sempre encontramos nesta época do ano, outubro marca a abertura para a maioria das zonas de caça. Essas condições levam a que as perdizes se possam amagar ou optar por uma fuga apeada em vez de levantar em voo, sem que as possamos ver ou dar tiro. Perante isto, a linha de caça deve ir muito compenetrada na manutenção da distância entre espingardas, procurando tirar partido do trabalho dos cães. Por isso, desde a abertura até ao outono estar firme, com dias bem mais frescos, alguma chuva e vento – quando as perdizes vão dar sinal aos primeiros passos da linha –, interessa-nos, generalizando, ter uma “linha” mais fechada do que aberta, devendo ser as “pontas” a organizar e colocar em prática a necessária elasticidade para poder encaminhar e meter a tiro as perdizes. Poderá ser dada a ordem de “abrir, que não vemos perdizes”, mas esta deve ser dada com cautela, pois neste período do ano há caça nova que facilmente poderá ficar entre as espingardas. Cuidado porque isto pode acontecer não às primeiras horas da manhã, mas sim a partir do momento em que o calor se faz sentir. Nessa segunda parte da jornada, em que o campo se silencia, há menos disparos e alguns caçadores afrouxam o seu ritmo, aumentando o espaço entre espingardas. Aí o trabalho das “pontas” é essencial, podendo adiantar-se um pouco para provocar a caça que está amagada. Esse é o momento de cerrar a linha e avançar muito atentos.

É A PONTA QUE MAIS TIROS DÁ

Normalmente é assim, dependendo do terreno e da época do ano. Há cenários como as encostas ou cerros em que as perdizes sobem ao avançar da linha, aguardando no viso dos cabeços. Depois voam encosta abaixo dando oportunidade de tiro em primeiro lugar ao caçador mais avançado no terreno. Além disso, são lances espetaculares. Neste caso o protagonista será o “ponta”, que deverá ir adiantado para poder atirar e também empurrar as perdizes para as restantes espingardas da linha. Outras vezes, em olivais e vinhas, as perdizes que arrancam para a frente procuram sair da linha, passando a tiro ao “ponta”.

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