Iniciei-me neste mundo da caça com os cães. Já o disse várias vezes e digo-o sempre que necessário; se sou hoje caçadora devo-o aos meus cães e à forma como eles me demonstraram a paixão que existe nesta nobre arte.
Toda a minha vida convivi com os cães de coelhos, os podengos, mas também com os cães de pena, os cães de parar. E quem nunca caçou com um cão de parar, nunca atingirá o expoente máximo da caça. Na minha humilde opinião… Há coisas que se vivem com um cão de parar que são únicas e deliciosas!
Binómio cão/caçador
A história entre o binómio cão de parar e caçador tem origem há centenas de anos. Mas mais do que conhecer essa história é poder experienciá-la nos dias de hoje, onde existem já cães “todo-o-terreno” e preparados para serem tudo aquilo que nós quisermos, teremos apenas de saber lidar bem com eles Um cão de parar, hoje em dia, é um cão que deteta caça, um cão
que cobra, um cão que aprende aquilo que temos para ensinar, um cão que vive com paixão e que caça com paixão e, sobretudo também, um cão de família. Pois é, os tempos mudaram e também a relação entre cães e caçadores mudou. Não tenho dúvidas disso. E ainda bem… Porque temos tanto a aprender com eles, principalmente no que toca ao amor, ao conforto, ao carinho e à lealdade… Mas isso são outras histórias!
Exigência
Caçar com cães de parar é extremamente exigente; não só para eles, como também para nós. Primeiro que tudo, a relação com o nosso cão deve estar bem consolidada; de nada serve ir para o campo com um cão de parar que adquirimos há cinco dias e que não tem qualquer ligação (ainda) connosco. Isso não é caçar com um cão de parar. Isso é ir para o campo com um cão. E há diferenças; e que grandes que são… Ter o nosso cão e ensinar-lhe tudo aquilo que sabemos é do mais maravilhoso que há. Vê-lo crescer, vê-lo começar a parar com mais firmeza, vê-lo cobrar com extrema alegria para nós e vê-lo olhar para a nossa direção, para poder continuar a caçar… Há aventuras que se vivem, momentos que se partilham, confissões que se fazem e emoções que se sentem. Não porque temos um cão a nosso lado, mas sim porque temos o nosso cão de parar ali. A viver tudo connosco. Ele fá-lo por nós e, no fundo, nós também o fazemos por ele. Requerem paciência, e há raças que requerem bem mais paciência que outras, mas talvez sejam como as crianças; podemos ensinar-lhes tudo o que sabemos (e
queremos), mas elas “só aprendem aquilo que lhes apetece, até nos verem mesmo zangados”, como se costuma dizer na gíria. Um cão de parar é assim… Uma eterna criança mimada, feliz, mas com muito potencial! Para isso, precisa que nós o trabalhemos e isso por vezes não é fácil. Por vezes temos de conseguir assumir, para nós próprios, que não conseguimos. Tal como, por vezes, não conseguimos lidar com os nossos filhos. E colocamo-los num psicólogo… Podemos colocar um cão de parar num treinador especializado. Os filhos costumam ficar melhor, e os cães também. É preciso haver equilíbrio e às vezes
nós próprios não conseguimos lá chegar. Não tem mal, é apenas porque tem de ser assim (ninguém nasce para ser bom em todas as áreas)!
Uma experiência única
Mas ter um cão de parar, mais teimoso ou menos teimoso, mais dominante ou menos dominante, é uma experiência única. Como é que poderíamos cobrar aquelas perdizes bravas que vão a uma distância de tiro quase impossível? Como é que
poderíamos cobrar os patos de passagem que caem nas barragens com águas geladas? Como é que poderíamos sequer ver uma galinhola, no meio dos matos densos e difíceis, se não tivéssemos o nosso companheiro para as detetar? Como é que poderíamos comer umas codornizes estufadas sem o nosso cão de parar? É isto que é a caça. É isto que se vive. Talvez sejam somente pormenores para muitos que não cacem com um cão de parar, este cão de uma inteligência e uma paixão sem igual, mas são pormenores que fazem a diferença e que nos levam a querer que aqueles momentos nunca acabem.
Infelizmente, um dia, esses momentos irão acabar. Pelo menos com aquele que era o nosso companheiro para todas as jornadas. E talvez este seja o lado mais negro de ter um cão de parar, um cão de caça mas, sobretudo, um cão de família.
Quando eles vão, um bocadinho de nós vai também e a magia da caça muda de cores, de sons e de vibrações. Mas não acaba. Espero que nunca acabe…