O caçador continua a insistir nisto: “olha que nariz tem este cão”; ou “olha aquele que não consegue achar uma galinhola ou uma perdiz”. Curiosamente, no que diz respeito às perdizes, colocam a culpa nestas que não se deixam sequer parar, em vez de perceberem e assumirem que é o cão que as deve parar, independentemente se estas deixam ou não.
Há anos que tento explicar em fóruns, nas redes sociais ou em artigos, mas nada. Não há maneira. A maioria dos caçadores continua a pensar que as perdizes da sua zona de caça –essas sim, selvagens e bravas – são impossíveis de serem paradas pelos cães. A partir do momento em que vêm um vídeo de um cão parado com uma perdiz, essa já não é como a da sua zona de caça. Provavelmente deve ser uma perdiz de cativeiro, porque as perdizes selvagens não são paradas pelos cães. E se falarmos de galinholas, então aí claramente que a culpa é do nariz do cão. Mas lamento dizer-vos que até isto não é assim. Normalmente, a culpa é desses caçadores, e vou tentar explicar-vos o porquê. Nariz ou cérebro? Segundo diferentes estudos sobre o olfato canino, o segredo de um bom olfato reside no cérebro e não no nariz. O nariz vai ser praticamente o mesmo em todos os cães, com uma forma cranial mesocéfala, onde residem cerca de 200 milhões de células olfativas na mucosa nasal. Para que tenham uma ideia do número, que tal que no ser humano não chega a 10 milhões de células olfativas. Qualquer espécie animal segregará umas partículas odoríferas, que podem ser:
- Atmosféricas, se estão a flutuar no ar, formando uma auréola em redor do animal. Pelo seu baixo peso e densidade, persistem pouco tempo.
- De rasto, e como são mais pesadas, mantêm-se durante dias no solo. A estas partículas iremos chamar de eflúvios, para não cairmos demasiado em termos técnicos.
Onde têm de chegar esses eflúvios?
Primeiro, devem chegar à mucosa nasal ou pituitária, onde se encontram as células olfativas e o cérebro, que irá “traduzir” esse eflúvio. De que forma? Na forma de imagem. O cérebro, neste caso, comporta-se como um computador programado e transforma o odor numa imagem, mas para isso precisa de ter tido experiências. Por isso podemos perceber a razão do porquê de um cachorro de uma raça de cães de parar não consegue fazer paragens logo no início, quando tem os seus primeiros contactos com a caça. Necessita de ter experiências prévias para poder guardar no seu cérebro a imagem de uma perdiz, por exemplo, aplicada ao odor desta ave. Isto é claro mas, dependendo de como seja essa imagem, na vez seguinte o cão irá parar ou não. Lembrem-se de que qualquer conduta premiada tende a repetir-se. Mas, bem, se um cão espanta uma perdiz obviamente que a está a cheirar e a sua pituitária está a funcionar e o seu cérebro realizando a pertinente análise, guardando essa imagem da peça a fugir em voo como uma experiência. E se abatermos essa perdiz? Irá produzir-se então uma associação no cérebro do cão de um cheiro (o da perdiz), e de duas ações guardadas como imagens: espantar e apanhar. Isto irá ser guardado no seu cérebro como uma peça de um puzzle, formada por duas imagens e um cheiro. Da próxima vez que o cheiro chegar ao cérebro, este irá relembrar essa peça do puzzle e que até foi agradável para o cão. Ou seja, como um prémio, e como qualquer conduta premiada, tenderá a repetir-se. O que fará o cão ao sentir o odor da perdiz? Obviamente que irá espantá-la, porque nós ensinamos isso. Sem querer, claro.
O meu cão jovem deteta uma galinhola
Vamos pensar noutra situação. Vamos a andar no mato e o meu cão jovem deteta uma galinhola. Como nós não vemos bem o que está a acontecer entre a vegetação, nem nos lembramos que os eflúvios chegam ao cão. E como bom curioso que este é, seguirá os eflúvios até ao sítio onde estará a galinhola e seguramente irá espantá-la, porque não sabe ainda nada das distâncias de cautela, mas é normal, porque é jovem e inexperiente. Como nós estamos longe e não vemos, também não
iremos disparar, e o cérebro do cão formará uma peça de puzzle originada pelo odor da galinhola e duas ações, mas diferentes de as de há pouco; porque uma coisa é correr atrás da peça sem obter um prémio, porque ela desapareceu.
Sabem o que acontecerá na próxima vez que o eflúvio de uma galinhola chegue ao nariz do cão? O seu cérebro ordenará que ele tem de parar, e aparecerá a sua primeira paragem. Vocês pensam que é a primeira vez que o cão vê uma galinhola. “Que cão bom que eu tenho”. Mas não é verdade. É a primeira experiência que vocês vêm. Graças a Deus.
O patrón
E se o cão tiver o primeiro contacto com a galinhola no mato, tal como falamos, e nós estamos num sítio onde não conseguimos ver, e há mais cães, sejam nossos ou de algum companheiro. Aliás, até cometemos um erro grave: não testamos esses cães. Fazem patrón? Qual o caráter deles? Sim caráter, porque mesmo que um cão faça o patrón de forma natural, se tiver um caráter muito dominante isso poderá levar a que não respeite um cão jovem, fazendo a paragem à frente dele, e a isto não chamamos uma paragem por simpatia, ou patrón. Com estas hipóteses, podem imaginar aquilo que vai acontecer.
Vamos supor que o nosso cão já pára, já teve a experiência inicial que “quase todos” os cães precisam para parar. Ao cair em
mostra vai aparecer o cão do nosso companheiro que não faz patrón e irá adiantar-se e espantar a galinhola. Com uma única
experiência como esta, digamos negativa, o normal é que não afete em grande escala mas, se isto se repetir três ou quatro vezes numa manhã, pode condicionar a paragem do cão, já que o seu cérebro irá guardar uma imagem nova associada à fuga do pássaro e à do outro cão entrando de rompante. E se eu disparar nesta situação? Em que o meu cão mostrou a galinhola e o outro cão a espanta? Então estamos a fazer mal aos dois cães – ao do nosso companheiro, onde até já vimos a grande razão, no primeiro caso com a perdiz. E ao nosso cão porque a partir de agora, no momento em que veja que outro cão está a aproximar-se, possivelmente poderá desmanchar a paragem e entrar a “fundo” com a galinhola.
Casos reais
Quero que percebam que é complicado. São casos reais que aconteceram e, por isso, também pode acontecer convosco. Mas também “estragam” na paragem dê por onde der, nem que matemos caça sem eles terem feito uma paragem, nem que tenham companheiros que lhes “possam dificultar a vida”… Parece que trazem da fábrica uma paragem tão fixa que nada os deterá. Mas certamente que estes cães darão outros problemas. As paragens em falso são um exemplo. A conduta canina não é matemática, e por isso vos digo que isto pode ou não acontecer. Não é uma certeza de que isto vai, efetivamente, acontecer.