Um dos pedidos de ajuda que mais recebo, posso mesmo dizer que é aquele que mais se repete, é relativo à desobediência dos cães em determinados sítios. Por exemplo, contam-me que o cão obedece nos exercícios de obediência básica no quintal de casa, ou num sítio fechado, mas na caça isso já não acontece. Também não é preciso que seja só a caçar, pois basta tirarem-no desse meio onde costumam trabalhar de forma periódica e acaba-se logo a obediência. Vou tentar explicar-vos a que se deve isto e, claro, como corrigir esta situação.
O s nossos cães têm inteligência associativa, ou seja, aprendem por associações, e essas associações podem ser positivas, e levam a que essa conduta aprendida se repita; ou podem ser negativas, de forma a que essa conduta não se repita mais. O que é que influencia a que seja de uma forma ou de outra? As motivações externas (peças de caça, outros cães), as motivações induzidas por nós próprios (prémios com comida, carícias, tom de voz afável) e as sensibilidades do nosso cão.
DIVISÃO DA INTELIGÊNCIA ASSOCIATIVA
Inteligência funcional. Também chamada de “adestrabilidade” ou capacidade de associação que tem cada cão, independentemente da sua raça, já que, apesar de haver estudos que falam de raças mais adestráveis que outras, referimo-nos ao indivíduo, e assim não cairemos na tentação de culpar o fracasso à estupidez racial, mas sim a nós próprios, que somos aqueles que ensinamos.
Inteligência instintiva. Seriam os instintos que cada exemplar traz desde que nasceu e onde, evidentemente, a raça conta muito mais que no ponto anterior, mas como estamos a falar de cães de parar, a verdade é que os instintos variam pouco de umas raças para as outras e falaríamos de peculiaridades.
• Inteligência ambiental. Também chamada de “inteligência espacial”. É a capacidade que os cães têm de associar lugares, objetos e pessoas com estímulos que farão variar a sua conduta. É aquilo que temos vindo a chamar de “associações de lugar”. O ideal é que qualquer cão tenha uma boa capacidade de adaptação, que é a capacidade de habituar-se, em muito pouco tempo, a novos lugares, meios, objetos e pessoas.
PORQUE DESEOBEDECEM NOUTROS LUGARES?
Não é preciso sermos muito inteligentes para percebermos que se um exemplar tem pouca capacidade de adaptação e uma alta inteligência ambiental, o cocktail está formado. Esse exemplar, a menos que tenha outras motivações superiores nos sítios novos, irá desobedecer. Conto sempre o mesmo exemplo, já que o cerne da questão estaria nas motivações. Se a minha filha, a qual eu recompenso com uns doces quando se porta bem, quando a levo ao parque com os seus amigos e, no momento em que temos de ir embora antes desses seus amigos e a chamo, não quer vir, desobedecer-me-á… Então vou meter a mão no bolso e tirar um chupa-chupa? Acham que será assim que me irá obedecer? Todos acham que não? Evidentemente que não. Então, porque é que o nosso cão nos irá obedecer? As associações de lugar, neste caso negativas para a obediência, acontecem por nossa causa, por não termos variado nos sítios em que o treinamos. Se treinamos sempre no quintal lá de casa, no dia em que mudamos de cenário vamos sentir alguma desobediência. E se, além disto, nesse novo lugar existem outras motivações externas de outros cães, cheiros, peças de caça, etc., então a desobediência será total.

TIPOS DE TREINO
• Treino básico. O primeiro baseia-se em exercícios de obediência básica e deveremos alternar os sítios onde vamos trabalhar; primeiro, em sítios sem motivações externas, só as nossas com os prémios, e pouco a pouco vamos mudando para meios com mais atrações, mais motivações. De quanto em quanto tempo? Isso será o aluno a “dizer”, mas quatro ou cinco dias como máximo, em cada lugar. Prefiro manter-me na associação dos exercícios em vez dos dias de treino, ou seja, quando vir que um exercício está associado e assente, mudo de lugar, pois será mais fácil assim para o nosso aluno.
• Treino específico. No nosso caso será o treino de caça: busca cruzada, fixação da paragem, patron e guia, assim como o cobro. Com uma boa base de obediência será mais fácil, mas também, neste tipo de treino, temos de variar os sítios de treino e alternar as motivações. Não podemos começar a trabalhar a busca cruzada num lugar com caça ou com outros cães, já que o nosso aluno irá distrair-se e irá desobedecer (como é óbvio). O processo é como o da obediência básica, alternando os sítios e as motivações. Se seguirmos estas pautas, de forma estrita, não teremos nenhum problema. Caso contrário, o fracasso está assegurado.