Creio que há uns tempos (mais precisamente há uns anos) escrevi sobre a ideia geral de que hoje vou também falar. Os tempos passam (anos!) mas tudo continua igual… E será porquê? Porque o ser humano não evolui? Porque nós, portugueses, temos tradições e personalidades tão enraizadas que a mudança se prevê quase impossível? Porque é que, muitos de
nós, caçadores portugueses, caçamos pelos (e para) os outros, em vez de para nós próprios?
Para não ser mal interpretada acerca destas minhas palavras, decidi procurar alguns escritos e teorias sobre o povo português. Num livro da jornalista Marisa Moura, intitulado “O que é que os portugueses têm na cabeça” e que foi lançado em 2014, o retrato deste povo passa pela “inveja, brandura, chico-espertismo, mania da grandeza e dos doutores e pessoas mal-educadas”. A jornalista diz que a culpa disto, aliada ao facto de hoje em dia sermos um dos povos mais infelizes e pobres da Europa se deve “aos romanos e à Igreja Católica”. Também num artigo escrito para o Público por Ricardo Lopes, em 2015, intitulado “Porque é que não há esperança para Portugal”, Ricardo responde muito sucintamente “Não há esperança porque o país é composto por um povo absolutamente incapaz de autocrítica e de rir-se de si próprio”. Diz ainda que “As pessoas preferem o populismo à verdade (…) o povo português, enquanto unidade de uma cultura nacional, é invejoso. Tem inveja daqueles que, por mérito, partem das mesmas condições em que ele se encontra, mas cujo almejo exige um esforço de desembaraço que ultrapassa o limite da sua inércia”.
Na Caça isto existe
E ao ler estas constatações percebo que, afinal, não estou assim tão errada e que na caça isto existe (e muito)! E o que chamo a “isto”? Descrevo-o tão sucintamente como o fiz no título deste artigo, agimos (neste caso, caçamos) pelos outros e não por nós próprios. Estamos em constante necessidade de aprovação do outro; em constante procura de protagonismo, venha ele de onde vier, e seja de que forma for, para alimentarmos o nosso ego narcisista. Talvez todos sejamos um bocadinho assim, ou tenhamos pelo menos uma linha muito ténue desta caraterística tão presente no povo português (pelo que depreendemos já em alguns artigos). Mas depois vem o “politicamente correto”, uma caraterística que também gostamos de ostentar; e será por isso que às vezes não se esbanjam mais comportamentos e atitudes… E no sentido negativo. Vá lá, afinal parece que o “politicamente correto” ainda nos pode safar de atitudes piores!
Um exemplo concreto
Vamos mas é falar de um exemplo concreto, que começa já a ser muita teoria para pouca prática, que é como quem diz “muita parra, pouca uva”. Mas creio que na vida real, nestas situações concretas que muitos de nós poderiam partilhar pois de alguma forma já vivenciaram uma ou outra; há “muita uva”. Há muita inveja, muito egoísmo, muito egocentrismo, muito “o meu é melhor do que o teu”.
Isto é tão óbvio quando vemos algum caçador (atenção que isto não é generalizável a todos os caçadores, obviamente) falar dos seus cães. Muitos dizem que têm os melhores cães do mundo (e acho muito importante que sintam isso, de facto), mas sejamos realistas, há outros cães como os nossos (caso os nossos sejam mesmo incríveis) ou melhores ainda. Há sempre outras pessoas, neste caso caçadores, tão bons ou melhores que nós. E não há mal nenhum nisso; aliás nem sei porque passamos a vida a comparar-nos com os outros, seja na caça, no trabalho, na vida pessoal, etc. Nós temos o nosso valor, as nossas virtudes e personalidade e é através disso que devemos construir a base para a nossa felicidade; pois se estamos constantemente a pensar no que o outro tem ou é, comparando-o connosco, não chegaremos nunca a sentir a felicidade na sua forma plena e pura, sem máscaras envoltas nela própria.
Autoconhecimento e felicidade
Esta necessidade de ter e de ser mais do que o outro é incrivelmente redutor de um processo de autoconhecimento e felicidade. E tantos que assim o são… Como na caça. O que importa é saber quantos animais o outro caçou, saber quantas paragens o cão do outro fez ou quantas vezes errou o tiro. O que me importa a mim é saber isso tudo sim, mas de mim própria. Saber no que falhei e como poderei melhorar; saber que com o outro, que é melhor que eu ou, para não dizer isto desta forma (para não ferir suscetibilidades) tem certas competências mais afinadas do que eu, poderei aprender. E tudo isto porque caço para mim, não caço para o outro. E não sou mais nem melhor que ninguém; simplesmente não me comparo, nem preciso da aprovação deste ou daquele. Sou aquilo que sou na caça, com muitos erros e falhas, mas com muito divertimento à mistura, principalmente quando surgem as conquistas, por mais ínfimas que sejam. E acreditem, é apenas isto que iremos levar desta vida…