Quando estamos numa situação real de caça, com uma peça localizada e parada pelo nosso cão, muitas vezes não nos percebemos da razão pela qual essa perdiz (ou outra peça) sai tão mal ao tiro. E ainda que por vezes seja por circunstâncias que não podemos controlar, há um grande número de ocasiões em que isto se deve à nossa entrada retumbante ou demasiado impulsiva do cão, e isto leva a que essa peça saia muito mais rápido, alterada e sem uma trajetória natural.
Vemos muito melhor isto com as peças de pena do que com as de pelo, porque quando falamos da caça ao coelho, a maioria caça com cães de levante, e isto leva a que muitas vezes não percebamos se esse coelho poderia ter saído com melhores condições para o nosso tiro. Lembremo-nos de quantos coelhos não pudemos atirar com segurança ou quantos coelhos saíam como raios com o cão em cima deles, ou ainda quando se metiam tipo “mísseis” no mato onde estávamos à espera. Com a perdiz ocorre algo parecido; há muitos lances em que, seja parado ou a guiar, o nosso cão entra demasiado forte a levantar a peça e nós, inclusive, incentivamos esta ação, sem chegarmos a dar-nos conta de que essa perdiz que saiu mal ou para um sítio onde não nos interessava, devia ter sido tirada de forma mais suave pelo cão, pois arrancaria com menos força e voaria de forma muito mais acessível para o nosso tiro. Uma coisa é entrar à caça de qualquer forma, que é aquilo a que geralmente estamos habituados, e outra bem diferente é entrar à peça com tento, procurando que saia sem demasiada estridência.
NÃO ENTRAR COMO UM “COMBOIO”
É com esta reflexão, que começo este tema. Um cão de caça que nos consiga caça já nos serve bem; aliás até temos tendência para a “pendurar” antes de vermos como o trabalho é feito, ou seja, um cão que mostra muita caça já parece que é um super-cão, nota 10, mas isto porque não caçamos ou ainda não vimos caçar um exemplar que além de dar muita caça, a tira como se estivesse efetivamente a fazê-lo para a espingarda. Temos tendência a condicionar de forma pouco acertada muitos dos nossos cachorros, quando os empurramos para que entrem rápido à caça, enquanto estão parados, ou então metemo-nos “em cima deles” e da peça, que está amagada, e a única coisa que conseguimos fazer é deixar com mais tensão quer o nosso cão quer a peça de caça. Quando um bom cão de caça entra como um “comboio” sem travões para o campo, para arrancar um coelho ou uma perdiz amagados, apenas nos diz que esse exemplar tem um déficit importante de equilíbrio na ação de caça porque, quase de certeza, o empurramos para isso, desde cachorro. Pensemos: que predador entraria assim com uma peça que tem ao seu alcance? Salvo raras exceções, nenhum. E funciona, porque é de isso que depende que se alimentem… É necessário que mudemos muitos conceitos e, sobretudo, muitos costumes se queremos caçar com um cão que entra de forma moderada com a caça, como se estivesse a convidá-la a sair, mas ao mesmo tempo quer apanhá-la desesperadamente. Não é mais valioso nem mais efetivo o cão que entra de forma impetuosa à caça; isso só quer dizer que é muito impulsivo e que o seu comportamento é regido pela ânsia e pela necessidade de captura a qualquer custo. Podemos vê-lo com frequência em muitos, muitíssimos, podengos e cada vez mais em cães de parar, sobretudo quando se caça ao coelho e quase não se sai às perdizes. Lembremo-nos: a caça sai com outro ritmo e procurando opções naturais – que são as que podem ser previsíveis para o caçador que se coloca bem e conhece o comportamento habitual das peças de caça – quando um cão entra com demasiada ânsia para a apanhar.
DETETAR, PARAR, CENTRAR E LEVANTAR… SUAVEMENTE
Se o trabalho de busca é o essencial para detetar emanações e rastos, para aproveitar o tempo em cada zona e tentar dar com as perdizes que podem estar perto, quando começar um possível lance serão – depois da deteção – o foco e a arte do cão para acautelar onde está a fonte da emanação os elementos determinantes para a primeira fase do lance. Não perder tempo, tomar as emanações de forma ordenadas e com sigilo e terminar centrando-se no sítio onde está mais ou menos a peça (centímetros acima, centímetros abaixo), são os aspetos mais importantes quando centra a peça como o objeto de caça. Nesta fase, se o cão tem sensibilidade, apego e ofício, é também determinante que se mova, entre e marque, tendo em conta onde está situado o caçador, já que terá de segurar a peça ou direcionar a sua saída para o sítio onde veja o caçador. E assim quando chega o culminar de uma mostra ou uma paragem da peça, muitas vezes obrigamo-nos a acelerar ou a quebrar a mostra, com a pressa de puxar o cão para que a caça saia. Se tudo aquilo que está antes deste momento é bem resolvido pelo cão, mas o caçador entra a forçar a saída da peça, o resultado é que esta sai sem que possamos calcular a sua fuga de forma eficiente. Mas quando o cão entra e a faz sair de forma suave, como convidando-a a levantar em vez de a empurrar, então a coisa muda muito.
EXERCÍCIOS PARA TREINAR
Podemos tentar observar como é que o nosso cachorro responde nos seus primeiros contatos com uma emanação intencionada, trabalhando com perdizes de cativeiro (que voem bem, porque se não for assim nem vale a pena) em exercícios de campo sem tiro. Há que ver e analisar como se foca na deteção da emanação, como aponta, concretiza e acede à menor distância devida diante essa emanação (não verá a peça), e observar muito bem como é que ele faz isto tudo. A partir daí, devemos esforçar-nos para não tentar que entre rápido com a peça, nem nós próprios o devemos fazer, e muito menos fazer barulho ou andarmos ao seu redor, porque há certos aspetos que podem impactar em determinados casos na forma como fixam a atenção na mostra. Há que deixar que o cão esteja com a atenção focada na peça sim, mas deixando que contacte com ela, que atenda às variações da intensidade da emanação – é normal que a peça se mova – e inclusive que se mexa também para melhorar esse contato olfativo. Que possa atender aos sons da peça ao mover-se, por exemplo, procurando um
escape. Temos de observar ainda se procura reter essa peça movendo-se, não a deixando sair na primeira oportunidade (é um sinal de grande valor mostrando que esse cão tem disposição para fazer com que a caça aguente até que estejamos bem colocados ou lhe demos indicações na ação de caça). se entrar na primeira oportunidade e de uma forma qualquer, há que colocá-lo nesta situação em mais ocasiões e ver como é que responde, mas nunca o empurrar para que entre, que seja o cão que encontre esse momento, em função daquilo que está a detetar. Queremos consolidar e fazer progredir uma disposição, e para isso as experiências positivas são fundamentais. No final de contas, trata-se mais daquilo que devemos fazer do que aquilo que devemos respeitar; é mais difícil reconduzir um cachorro que foi condicionado de forma negativa sobre como e quando entra a uma peça localizada, que deixá-lo fazer segundo a sua natureza e a sua resposta aos estímulos de uma peça. A partir daí, reforçar a conduta adequado segunda aquilo que já aqui escrevi. É importante muita experiência, muitos contatos com várias peças de caça em treino e não ter pressa. Três ou quatro meses de trabalho bem feito podem levar esse cachorro a fazer aquilo que deve fazer, empurrar suavemente e convidar a peça a sair, e não entrar com a peça como resposta ao impulso dado pelo caçador.