Ontem estava a ver uma série, daquelas melancólicas e românticas (que toda a mulher gosta, em determinados momentos) e surgiu-me um pensamento “a sorte que eu tenho de ser caçadora em pleno século XXI).
De forma muito resumida, e para também vos contextualizar neste meu pensamento, a série retrata uma mulher dos Estados Unidos da América, que foi estudar para Itália, conheceu um italiano (da Sicília) e apaixonaram-se. Nestes tempos de paixão, andavam eles por Itália, por entre o mar e a terra, por entre o campo e as aldeias mais pitorescas da região. Até que, e para continuarem a viver juntos esta paixão, este italiano teve de se mudar para LA (Los Angels) com a americana por quem se tinha apaixonado. Na série, e de forma propositada (talvez), mostram um pouco da realidade de LA, das grandes cidades e da falta de tudo aquilo que uma pessoa habituada ao mundo rural tem. O protagonista desta história, italiano e filho de agricultores, era também chef de cozinha e, a determinada altura, os familiares tinham que enviar da Sicília para LA os produtos frescos para que a cozinha deste chef não ficasse afetada (de forma negativa). Obviamente que estamos a falar de uma série, onde há sempre exageros, mas como digo várias vezes, uma imagem vale mais do que mil palavras; e as imagens destes dois apaixonados em Itália aquando comparadas com as imagens (destes mesmos dois apaixonados, pois a paixão continuava) em LA são totalmente diferentes e levam-nos realmente a pensar que as nossas escolhas de vida devem rondar sempre aquilo que gostamos e aquilo com que nos identificamos.
A modernidade dos dias de hoje e a crescente evolução da sociedade levaram a que LA seja um exemplo de progressão e desejo. Desejo por parte de tantos, sobretudo, dos jovens que hoje estamos a criar. As novas tecnologias têm também um papel fulcral nestas paixões e nestes sonhos eloquentes, sermos quem não somos, termos aquilo que não podemos, chegarmos ao topo daquilo que idealizamos como fascinante. Um topo muitas vezes inalcançável; não porque não somos empreendedores e lutadores, mas sim porque é um topo que não tem “fim à vista”. Por isso hoje em dia temos jovens tão infelizes e frustrados, magoados com tudo, com uma dor impossível de ser amenizada porque, em tempos anteriores, tudo lhes era dado, prometido e assegurado.
Mas volto ao foco, à sorte que tenho de ser caçadora em pleno século XXI. Temos mesmo sorte, sabem… Porque conseguimos, de facto, desligar e desconectar. Das redes sociais, das tecnologias mas, acima de tudo, da pressão social. Da sociedade que nos diz como temos de nos comportar, como temos de nos vestir, de agir, de ser, e de ter. Os tais “teres humanos”, em vez de “seres humanos”, como já falei há uns tempos. Ninguém quer saber do que somos, do que são; em vez disso querem saber do que têm, do que os outros têm, fazendo comparações constantes. E a pressão cresce. E depois vemos números que nos assolam a mente e nos levam à questão: “Mas como é que isto é possível?” Cerca de 8% dos portugueses estão diagnosticados com depressão; 1 em cada 6 portugueses tem problemas de ansiedade. Dá que pensar, mas não estará esta Sociedade a encaminhar-nos até este “precipício”?
Volto ao campo. Volto à nossa vida, e volto a um dia de caça. Acordo cedo. Faço-o sempre, porque o meu avô sempre me disse “deitar cedo e cedo erguer, dá saúde e faz crescer”. Mas sem despertadores, só com o “despertador” da rotina ativo. E visto-me. Sem pensar no que fica bem com o quê, sem pensar nos olhares que poderão advir da forma como estou vestida. Visto o que quero. Na verdade, visto o que mais confortável me faz sentir. Calço o que de mais confortável existe também, não preciso de ir com os pés mais apertados ou de ficar com uma dor de costas ao fim do dia, porque tinha mesmo de usar aqueles sapatos. E vou. Vou até ao campo. Ao ar livre. E sentes que realmente és livre. Que podes gritar sem que ninguém te julgue. Que podes rir até não conseguires mais, sem que te olhem de lado. Que podes fazer xixi onde quiseres e quando quiseres, porque és livre para isso e não vais prejudicar ninguém (atenção que daqui a uns tempos talvez também já possamos fazer xixi “todos uns com os outros”, mas vamos deixar esse tema para depois, que ainda o estou a digerir). Podes correr, podes andar ao pé-coxinho, podes rebolar onde quiseres, podes tudo. E este tudo resume-se a uma coisa: podes ter sanidade mental o que, consequentemente, te deverá levar a um estado de felicidade plena.
E por isso digo, voltar atrás no tempo, aos nossos ancestrais (quase), viver o que de mais puro existe, com um misto de adrenalina (e de sobrevivência, às vezes), é de uma simplicidade tão peculiar, nos dias de hoje, que até nos custa a crer que conseguimos, de facto, experenciar e vivenciar isto. Assim, sem mais nem menos. Só porque estamos no campo. Só porque convivemos sem medos, receios e pressões. Só porque podemos calçar uns botins e chapinhar na água, em vez de ter de calçar os sapatos de salto alto e pedir licença para passar. Não é que isto não faça parte de vez em quando. Mas é só isso. O de vez em quando. Para mim. Obviamente. Porque talvez o outro não se sinta feliz no campo e na natureza. Talvez não se sinta feliz a apanhar chuva e frio e a andar quilómetros à procura de uma galinhola. Talvez estar deitado no sofá, à lareira (ou sob o ar condicionado) a ver uma série da Netflix o deixe mais realizado. De vez em quando também me deixa a mim realizada. Mas é só isso. O de vez em quando.
Porque de resto, e em pleno século XXI, eu tenho a sorte de (ainda) ser caçadora e viver no mundo rural. Como Paulo Coelho dizia, “Quem tentar ter uma flor, irá ver a sua beleza a murchar. Mas quem olhar para as flores no campo, permanecerá para sempre com elas.” E foi por isso que o italiano, daquela série de que vos falava, teve de voltar para Itália. Porque não aguentava ver a beleza de uma flor a murchar; tinha de permanecer eternamente com elas…