Atribuímos a desobediência ao maneio incorreto da inteligência ambiental, que produz associações de lugar que não são as ideais. Bem, agora vamos falar sobre a desobediência que acontece, não em determinados sítios, mas sim em determinadas circunstâncias.
O que é que eu quero dizer com humanização inconsciente? Se perguntarem isto a qualquer caçador, irá achar que sabe o que é humanizar e vai-vos responder que humanizar é tratar o cão como se fosse uma pessoa. Isto estaria correto, em parte, mas aquilo que o comum dos mortais não se dá conta é que humanizar também é pensar que um cão raciocina, ou que pensa como nós ou que associa como nós. A inteligência do nosso cão é associativa, ou seja, ele não raciocina, simplesmente associa estímulos com outros estímulos que se resumem a experiências, convertendo esses estímulos ou essas experiências em positivas ou negativas. E é nisso que se baseia, precisamente, o treino.
- Estímulo positivo-experiência positiva. Um bocado de comida que o nosso cão recebe cada vez que tocamos o apito e ele vem. Isso é um estímulo positivo, que converte a ação de vir em algo positivo.
- Estímulo negativo-experiência positiva. O nosso cão recebe um estímulo negativo ao picar-se numa silva, mas debaixo dessa silva esconde-se um coelho ou uma galinhola. A motivação dessa peça de caça irá tornar a experiência em positiva, apesar de se ter picado e de ter sentido dor.
NÓS COMPLICAMOS TUDO
É algo simples, esta é a forma que o nosso cão tem de associar, contudo nós continuamos empenhados em não nos inteirarmos desta simplicidade. Somos nós quem complicamos as coisas e acabamos por humanizar, ao acreditarmos que o cão raciocina como nós. Eu chamo o meu filho e ele não vem, volto a chamá-lo enquanto vou ter com ele a condenar a sua atitude; agarro-lhe na mão e trago-o até mim. Provavelmente, o meu filho vai perceber porque estou chateado, porque o seu
cérebro produz um raciocínio abstrato e ele não quer que o seu pai se chateei e o leve a ir embora do parque. E se fosse um cão, em vez de uma criança? O mais provável é que o cão associe o estímulo negativo a uma experiência negativa e a próxima vez a forma como irá comportar-se irá depender, de forma mais ou menos intensa, das suas sensibilidades. Na vez seguinte, pode não vir quando o chamamos (vão-me castigar) ou, quiçá, não se separe de nós quando chegar a esse sítio onde foi castigado. Essa conduta baseia-se no instinto de evitamento e a melhor forma de evitar um castigo é não fazer nada. Porque é que me castigaram? Por estarmos longe dele, diz o cérebro do cão. E então é quando aparece a célebre frase “este cão é parvo”. É parvo porque não percebe como tu queres, ou tu é que és o parvo por não seres capaz de ensiná-lo corretamente? Pois, é a isto que me refiro quando falo de humanizar de forma inconsciente, acharmos que o cão vai aprender como uma pessoa. Não, a um cão não podemos explicar as coisas, podemos sim construir exercícios com base em associações.
O EXEMPLO DO COBRO
Para mim, o exercício mais complicado de fazermos com que um cão o perceba, já que se juntam diferentes estímulos e
aspetos a ter em conta; e se não estivermos todos num equilíbrio perfeito, então acabou-se. Lembrem-se do que vos disse
anteriormente, precisamos de ter um estímulo positivo para que a experiência seja positiva, e precisamos também que haja motivação suficiente. O aspeto seguinte, para o cão, é que ganhe confiança (ele tem que confiar em nós). E, finalmente, é necessário que haja uma hierarquia bem estabelecida (o cão tem um papel a desempenhar na nossa pequena “manada” e nós, evidentemente, temos um status hierárquico superior ao do cão).
PONTO POR PONTO
O estímulo positivo é a chamada com prémios de comida. É fundamental que o cão tenha construído este exercício de forma positiva (que o som do apito esteja associado a um bocado de salsicha quando chega ao pé de nós). A motivação de apanhar algo, em parte, está intrínseca nos seus genes (instinto de perseguição da caça), mas também convém levantar o interruptor desse instinto para o modo “on”. As brincadeiras com as bolas ou peluches quando eles são cachorros, é muito importante para este aspeto em específico. Bem, já só falta que nos traga. Muitas vezes, basta fazer o que vimos até agora, mas outras vezes não. A alta possessividade, juntamente com um caráter com tendências dominantes, pode resultar num mau cenário; mas se ele for submisso, provavelmente também dará problemas e deixará o que tem na boca quando lhe pedir ou poderá ainda querer esconder. É aqui que entra o jogo da confiança, que é conseguido a partir do momento em que o cão entenda e associe que mesmo que venha ter connosco não lhe vamos tirar o que tem (atrai-o e passeio uns segundos com ele ao meu lado, sem lhe tirar nem pedir a peça que tem na boca; passados uns segundos peço-lhe e, muito importante, premeio-o com comida e dou-lhe depois novamente na minha mão – hierarquia). Desta forma, conseguimos que associe de forma positiva o exercício do cobro. Se, pelo contrário, roubamos-lhe o que traz na boca, ainda que o premiemos, o que pode associar é: se chego com isto vão-me tirar. De forma que já sabem, o cão não aprende as coisas como nós queremos, mas sim como as circunstâncias o fazem associar.