Há um ditado popular ou um refrão, como quiserem chamar, que diz “‘Ao menino e ao borracho põe Deus a mão por baixo”. No entanto, quando lidamos com cachorros não podemos apenas esperar que a divina providência os proteja, até por que são as ações dos seus donos que vão determinar o seu futuro.
Vamos começar por este exemplo. Sabem quantos cães encontramos com medo dos tiros e o dono nem sequer sabe isso? É o grande problema do caçador, não saber interpretar os sinais dos cães, não conhecer a linguagem canina. Lembro-vos que no meu livro “O caçador de estímulos” ensino a entender e a ouvir o vosso cão. Se lidamos com cachorros temos muitas probabilidades de estragá-los se não conhecermos a sua linguagem, se não conhecermos as pautas básicas do ensino, se não soubermos que os cães têm uma inteligência associativa, ou seja, necessitam de experiências para aprender coisas e necessitam que essas experiências se repitam ou não. Às vezes uma única experiência serve que para um cachorro de três meses aprenda que não se deve aproximar de uma codorniz porque o seu levante o assusta. Obviamente que para que isto
aconteça têm que haver determinadas premissas prévias, como ter altas sensibilidades auditivas e visuais, aliado ao facto de que não conseguimos construir de forma positiva essa experiência.
O QUE É CONSTRUIR UMA EXPERIÊNCIA DE FORMA POSITIVA?
É que o cachorro associe uma experiência de forma positiva. Por exemplo, se lhe meto a trela para o levar ao veterinário, é uma má experiência, e esta má experiência vai alargar-se até à trela, ou seja, a trela significa ir ao veterinário. A forma correta seria começar a pôr-lhe a trela quando lhe desse de comer, quando o levasse para passear…, para que associe o elemento
novo a experiências positivas; e isso é positivar experiências, construir experiências de maneira positiva, se preferirem assim. Se pusermos o cão no carro, onde fica maldisposto, para ir ao veterinário, a experiência começará no carro, pois é a partir desse momento que lhe estamos a causar algum dano. Claro que se meto o cão no carro e andar poucos metros, para a seguir ele ir correr e brincar com uma bola, estou a positivar a experiência de andar no carro. Desta forma, quando for
para o levar ao veterinário já não associará o carro a essa má experiência. Entendem? É simples.
NO PLANO DE CAÇA
Bem, agora vamos estender isto para aplicá-lo a qualquer outra experiência relacionada com a caça. Por exemplo, levamo-lo ao campo pela primeira vez, sempre dependendo das sensibilidades do cachorro que temos e, claro, da socialização, mas supostamente é nesse período de socialização em que nos encontramos nesta fase. Mas agora isso não conta, se não estamos a falar de muitas coisa ao mesmo tempo. Dizia então que o levamos ao campo e ele persegue passarinhos Não devemos forçar nenhuma situação de caça porque ainda não está preparado para isso, mas como temos a mania de o fazer, de pôr perdizes que voam mal num cachorro com três meses à espera que ele as pare para que possam atirar com a espingarda de calibre 12, situação que criará muitas possibilidades para que o cachorro se assuste, mesmo que de forma ligeira, o que já irá proporcionar uma má experiência que, apesar de não constituir logo o medo aos tiros, pode ficar a associar a perdiz com o ruído forte do tiro e o odor da perdiz com esse estrondo.
MOTIVAÇÃO FRENTE AO INSTINTO DO EVITAMENTO
“Não, eu não fiz nada e o meu cão não liga nenhuma às perdizes de cativeiro; claro mas isso é porque cheiram a farinha e o meu cão é muito inteligente…” Quantas vezes é que já ouviram isto? Eu, muitas! Não percebemos que há uma coisa que se chama instinto do evitamento, e é por esse instinto que um cão não pisa os cardos que picam, não se aproxima do fogo, que queima ou da água que molha; a não ser claro que a motivação seja maior que a cautela. E é disso que se trata quando que
devemos positivar as experiências; segredo está na motivação para que o instinto do evitamento não entre em cena, porque se assim for, metemos “a pata na poça” e diremos logo que nós não fizemos nada.
VEJAMOS UM EXEMPLO
Soltamos um podengo e ele pica-se numas silvas, pelo que o instinto do evitamento leva a que, da próxima vez, ao ver ou sentir as silvas tenha tendência a evitar e afastar-se. Agora levamos este pondego para uma zona coelheira e ele vê e ouve os coelhos, começa a persegui-los e a laticar, ou seja “pica-se” (tecnicamente diríamos que se motivou). Bem, agora o cachorro podengo dá “de caras” com umas silvas e lá dentro há um coelho e ele está a ouvi-lo. O instinto do evitamento diz-lhe para não entrar, que se vai picar, mas a motivação diz-lhe para entrar, porque está lá o coelho, e o podengo nasceu para isto. Como positivamos a experiência, ou seja, motivámo-lo, construímos isto previamente, o cachorro entrará dentro das silvas.
Alguém pode pensar que não fez nada disso, e que o cachorro entrou porque ouviu o coelho; sim, tudo bem, já dissemos também que depende das suas sensibilidades e da motivação intrínseca, que em alguns cães não é preciso motivar. Mas sabem qual é o problema? Que não vamos saber isso até que ele passe por este tipo de experiências.
CADA UM QUE ESCOLHA
Está nas vossas mãos, arriscar ou não arriscar, atirar a moeda ao ar e esperar que saia cara; ou então construir previamente
essas experiências que podem ser prejudiciais no futuro.