Um problema muito comum e comentado entre caçadores: a “mania” que têm alguns cães, em cobrar algumas peças e outras não. Vejamos qual a razão subjacente a isto e tentar arranjar uma solução.
O que é que leva um cão a fazer um cobro perfeito trazendo até nós uma perdiz ou uma codorniz, sem nenhuma dificuldade; e peças como os patos ou os pombos podem até estragá‑las (tirando as penas) e não as cobram em condições?
Peças menos atrativas
Peças de caça como os pombos ou os patos, são as primeiras que se situam no ranking das quais os cães não gostam de cobrar. A quantidade de penas que deitam e a quantidade de ácaros e pó que trazem as suas penas não agradam ao cão; terem isto na sua boca equivale a como se estivéssemos a correr a maratona e de repente pararmos, e termos de comer um prato de papas. Má comparação, não é? Entre o pato e o pombo, digamos que o pior é o pombo. O pato tem uma vantagem, para que o cobro seja mais fácil, o meio onde normalmente o nosso cão o vai cobrar. Porque a água é uma vantagem, ao molhar as penas e fazer com que se soltem menos. Outro ponto a favor do meio aquático é que há cães que cobram aqui, em largar a peça (coisa que pode não acontecer sem ser neste meio). E isto acontece porque têm medo de perder a peça, que é idêntico ao cobro pela posse da peça, o qual já todos vimos acontecer. A terceira peça deste ranking de não querer cobrar é a galinhola, cuja suavidade e finura da pena levam a que muitos cães não a mordam. A quarta é o tordo; e para esta não tenho nenhuma explicação, a não ser que tenha havido alguma experiência má; se bem que temos várias pessoas que nos contam sobre o problema do cão a cobrar tordos, mas que o fazem perfeitamente com todas as outras peças.
Más experiências
A primeira coisa para tentar encontrar uma solução para o problema é perceber se o cão teve alguma experiência má. Muitas vezes conhecemos o problema, como por exemplo a presença de outro cão que lhe mordeu ao disputarem uma peça. Neste caso, o cão pode deixar de cobrar tudo… ou não; é possível que associe a experiência negativa só à peça que pretendia cobrar nesse momento Outra experiência negativa habitual são as cercas elétricas; por uma causalidade, a peça cai próxima a uma destas cercas que o nosso cão sem querer toca; isto poderá levar a que o cão desista do cobro de forma total ou parcial.
A peça em si pode provocar uma experiência negativa. Lembro‑me do caso de um setter que ao ir abocanhar uma galinhola o bico desta enfiou‑se na cavidade nasal do cão, provocando uma forte hemorragia e dor.

Soluções
Aconselho‑vos a começarem quase do zero. Trabalhar primeiro o cobro com um “dummy” ao que pegamos e atamos penas a essa peça que ele não quer cobrar, para ir aumentando, pouco a pouco, a motivação, usando depois essa peça congelada na segunda parte do exercício. Já sabem, muitas recompensas e confiança; começar com os cobros desde a mão, não lançando. Há que motivar bastante para conseguir que corra e progressivamente conseguir que vá trazendo. Lembrem‑se que
são processos lentos e por fases, não tenham pressa.
Não há maneira de agarrar essa peça? Vamos tentar então aumentar a motivação, utilizando a peça sem possibilidade de voar. Já sei que isto poderá ser um problema, uma vez que se o cão aperta muito e mata o animal, acabaram‑se as repetições necessárias para que associe corretamente o que queremos.
Cobro por ciúmes
Então restar‑nos‑ia recorrer ao cobro por posse – e ciúmes –, salvo que a experiência negativa seja por culpa de outro cão, o que então não funcionará. Vamos lembrar‑nos do método. Preciso de uma estaca ou de uma árvore, mas também serve uma vala, no campo, porque preciso de prender o meu cão com a trela enquanto vou praticar o cobro com o outro cão (um que cobre bem essa peça). Isto vai levar a que a sua competitividade aumente, já que verá como é lançada a peça, que cai perto dele e que é outro cão que usa o seu nariz para a trazer até nós; que o premiamos efusivamente, enquanto o nosso cão está
a observar tudo e fica impaciente. Vemos que está a ladrar e a saltar, é bom sinal; mas não devemos abusar; um par de repetições (duas ou três) serão suficientes. Agora vamos mudar, ou seja, atrelamos o cão que cobrou e passamos a treinar o cobro com aquele que estava preso e não corria. Lançamos a peça perto, a dois ou três metros do cão que está preso, mas que lhe seja impossível de lá chegar claro, mas que o tente fazer. O nosso cão vai chegar à peça e vai pegar nela, momento em que o chamamos de forma efusiva e premiamo‑lo, agachando‑nos para reforçar a chamada e a sua confiança. É importante que estejamos perto, mas que o cão tenha de correr e andar com ela quatro ou cinco metros (até pode ser menos). A partir desse momento devemos ir afastando‑nos, primeiro que tudo, para que se habitue a estar cada vez mais tempo com ela na boca; e depois ir lançando a peça cada vez mais longe do cão que está preso, tal como os ponteiros do relógio (comecem por situar o cão que está preso nas doze e lançam a peça às doze, seguidamente passamos a lançar a peça às três, depois às quatro, e para terminar às seis).

Caráter e sensibilidade
s experiências negativas também vão depender, em grande medida, do carácter e sensibilidades do cão. Lembro‑me do meu velho “Limas”, um braco alemão com um carácter do “demónio” e sensibilidades muito baixas, e duro como tudo. O “Limas” cobrava perfeita e corretamente, nem boca dura nem doce. Um dia, enquanto estava a cobrar uma lebre ferida, este virou‑se e mordeu‑lhe o lábio. O “Limas” ganiu, mas em vez de a soltar, como faria um cão com outras sensibilidades e outro carácter, o que é que ele Fez? Abanou a lebre na sua boca até matá‑la. Essa experiência marcou‑o de tal forma que nunca mais me trouxe uma peça viva, a
sua boca passou a ser bem mais dura e se sentisse “vida”, apertava‑a bastante.