Início » Às voltas com as recompensas

Às voltas com as recompensas

by Jesus Barroso de la Iglesia

Em alguns cães de companhia, as mesmas recompensas podem ser motivação mais do que suficiente; os cães de parar, os podengos, os retrievers, os cães de levante, são raças caninas selecionadas pela e para a caça, e por isso a sua motivação é outra, e a coisa pode‑se complicar quando tentamos procurar o equilíbrio necessário entre a recompensa, a pressão e a motivação.

Quando falamos de recompensar, podemo‑nos referir a recompensas verbais (uma felicitação curta, “bravo”, “muito bem”, “bem”… sempre acompanhada – e isto é muito importante – de um tom afável), recompensas físicas (festinhas, carícias…) ou recompensas alimentares (salsichas, biscoitos, guloseimas para cães…).

QUALQUER TIPO DE RECOMPENSA É BOM?

Curiosamente, não. O cérebro do cão é tão simples que percebemos rapidamente que a sua forma de aprendizagem é a associação de estímulos com ações e consequências dessas ações. Já falei muitas vezes de “positivar” lugares, barulhos, objetos, etc., para que o cão associe esse lugar, barulho ou objeto como sendo algo positivo para ele. Se não for assim, aquele lugar ou barulho que motiva e alegra o cão, poderá desmotivá-lo, assustá-lo ou fazê-lo fugir. Não compreendemos bem este conceito tão simples e por isso continuamos a fazer mal as coisas; e isto porque pensamos que, como a nós não nos assusta, então ao cão também não irá assustar.

UMA RECOMPENSA PODE SER ALGO NEGATIVO

Lembro‑me de uma cadela drahthaar, uma raça que tem fama de ter um caráter duro e de ter falta de sensibilidades, algo totalmente falso. Há, em todas as raças, exemplares duros e exemplares mais sensíveis. Como vos estava a contar, lembro‑me então desta cadela que, assustada da viagem (de certeza que tinha sido a sua primeira viagem numa caixa), não se mexia quando se abria a porta para sair. Comecei então a utilizar um tom mais afável para lhe dar confiança, aproximei‑me para lhe transmitir calma e até lhe dei salsichas Frankfurt, para a recompensar. A cadela começou a comer os bocadinhos de salsicha que eu lhe punha no chão da caixa e foi ganhando confiança mas, por azar, quando se mexeu na caixa entalou‑se num dedo. Rapidamente tive uma reação perante o seu ganir, abri a porta para lhe tirar o dedo entalado e a cadela saiu assustada da caixa. O que é que aconteceu? Ela teve dois meses sem aceitar salsichas de Frankfurt (aceitava outras recompensas, mas as salsichas ficaram associadas a uma má experiência, tornando‑se negativa).

MISTURAR RECOMPENSAS

Podemos, efetivamente, ter vários tipos de recompensa. Aliás não só podemos, como até é aconselhável a fazê‑lo. Se derem conta, nos artigos sobre estes temas, falamos sempre de condicionar recompensas com ordens ou castigos, com palavras ou sons. Condicionar é criar uma associação, e é precisamente o que fazemos ao misturar diferentes tipos de recompensas para, a determinada altura, deixarmos as recompensas “alimentares” para trás e ficarmos apenas com as verbais e físicas. Mas para isso é necessário misturá‑las: chamo o cão, premeio verbalmente (“muito bem”); quando chegar ao pé de mim, posso dar uma recompensa “alimentar” (comida), acariciá‑lo (recompensa física) e repito a recompensa verbal (“muito bem”). Essa será a forma mais correta de condicionar os três tipos de recompensas, caso queiramos que o nosso cão aprenda. Caso contrário, poderá ser um fracasso, ou então teremos de estar a vida toda com salsichas no bolso. “É que quando deixo de lhe dar salsichas, ele deixa de obedecer”. Já ouviram este comentário anteriormente, certo? Claro! É que uma das leis da conduta animal diz que “a ausência de recompensa leva à extinção de uma conduta”. Algo tão básico e que por vezes temos tanta dificuldade em perceber.

RECOMPENSA, RECOMPENSA, E RECOMPENSA

Vocês recebem um salário no vosso trabalho. Suponho que sim, certo? E suponho também que, caso não vos pagassem, vocês não trabalhariam… Então, porque é que querem que o vosso cão trabalhe sem cobrar? Recompensa, recompensa e recompensa com a voz cada vez que o cão faz algo que vocês querem e não está perto de vocês. Mas premeiem‑no com a voz longe ou perto, é sempre importante. É a melhor forma de condicionar e de prescindir, num futuro próximo, dos prémios de comida. Mas também vos digo outra coisa: os meus cães continuam a receber, de vez em quando, um bocadinho de salsicha. Desta forma crio uma incerteza que, segundo os neurologistas, seria o segredo da felicidade, e o que mais quero é que os meus cães sejam obedientes e felizes…

You may also like

Leave a Comment