Confesso que me deixava o coração acelerado, quando comecei a caçar – ainda no terreno livre – quando ouvia alguém da linha gritar; “Aí vai a lebre!”. Não que fosse espécie escassa, mas a velocidade com que atravessava pelo meio do grupo de caçadores e se esquivava na maioria das vezes aos tiros, fazia com que o cobro de uma lebre fosse algo… diferente.
Entretanto, já no terreno ordenado, aprendi a deixá‑las de lado, tal a abundância que encontrava na zona onde caçava de salto boa parte da época. As lebres deixávamo‑las para os caçadores do norte que vinham caçar de salto e batida, com ou sem cães, e que penduravam com gosto meia‑dúzia destas bichas. Cá por mim, nunca carreguei mais do que uma…
Bem diferentes, as coisas
Hoje as coisas estão bem diferentes, infelizmente. Primeiro foi a tularémia – a doença das “bolinhas brancas”, granulomas nos pulmões, fígado, rim e baço –, detetada em Espanha ainda antes de 2000 e que cerca de cinco anos mais tarde estava espalhada por todo o Alentejo. Por essa altura, a Direção‑Geral de Veterinária (DGV) desconhecia a “existência da doença em Portugal” (Fernando Bernardo, sub‑diretor da DGV) como notícia o jornal Diário de Notícias, 17 de agosto de 2005. Na mesma notícia, Jacinto Amaro, presidente da FENCAÇA, assume que “não faz sentido falar‑se de tularémia em Portugal (…) até em Espanha já foi erradicada”. Eduardo Biscaia – o eterno defensor do regime não ordenado – aponta as culpas para a “importação de coelhos e lebres de Espanha” para os cotos privados, tendo a sua opinião também sido notícia em vários meios de comunicação. Em 2018, o “Manual de Boas Práticas Sanitárias” (INIAV) assegura que as “principais doenças que afetam os leporídeos são a Mixomatose, a Doença Hemorrágica Viral (DHV) e a Tularémia”. No mesmo Manual podemos ainda ler que a “mixomatose tem sido raramente reportada em lebres e a doença hemorrágica viral dos coelhos não foi, até à data, observada na espécie de lebre que existe em Portugal (Lepus granatensis)”.

E depois…
Rapidamente as coisas evoluíram, para pior, e a lebre viu‑se afetada por uma série de maleitas que a tornaram hoje uma espécie pouco abundante na maioria do território, pelo menos se compararmos com os números de avistamentos e resultados de caçadas de há 15, 20 anos. Desta “segunda vaga”, veio primeiro a doença hemorrágica viral (DHV), revelada na Caça & Cães de Caça (edição nº. 207, janeiro de 2015) pelos investigadores do CIBIO (Centro de Investigação em Biodiversidade e Recursos Genéticos Universidade do Porto) Pedro Esteves e Joana Abrantes. Nesse artigo, os investigadores do CIBIO, confirmam terem sido “recolhidas no campo em 1995” amostras de lebre‑ibérica que confirmavam a presença da estirpe G1 da DHV que circulava nas populações de coelho‑bravo. Um artigo publicado na revista Veterinary Research (Lopes et al., 2014) confirmava a presença da estirpe G1 em lebre‑ibérica. Como se não chegasse, em junho de 2018 surgiu um surto epidémico de mixomatose em lebres em Espanha, que causou elevada mortalidade na espécie. E em outubro confirma‑se a presença desse vírus em Portugal. Depois do “ataque” deste vírus o estado das populações de lebre, que já não era bom, degradou‑se rapidamente.
Alerta nacional!
Felizmente houve uma situação de “alerta nacional” e praticamente todas as zonas de caça, de norte a sul do país, limitaram fortemente a caça à lebre e em muitos casos interditaram a mesma. Também se deu uma alteração no relacionamento entre as entidades ligadas à investigação científica, que passaram a realizar mais trabalhos no terreno e com maior proximidade às associações e clubes de caçadores, e todas as entidades gestoras de zonas de caça. O papel das Organizações do Setor da Caça (OSC) foi importante, coordenando no terreno essa ligação. Futuro Passadas duas semanas da Abertura Geral desta época de caça constata‑se que há uma ligeira recuperação da lebre, tanto pelo número de avistamentos como pelos cobros realizados, de forma contida. Mais uma vez, os caçadores mostraram desempenhar um papel fulcral na recuperação de uma espécie, que além de cinegética representa um papel‑chave para alguns predadores especialistas.
