Artigos de Caça Maior
Passou muito tempo desde a invenção da primeira bala para espingarda caçadeira, que inicialmente foi projetada para ser disparada pelos mesmos canos utilizados para os cartuchos com projéteis múltiplos. Sem recurso a tecnologias sofisticadas, essas balas eram fruto de inteligentes testes feitos por caçadores e aficionados pelas armas daqueles tempos. E mesmo contando hoje com balas tecnologicamente muito evoluídas, os conceitos desenvolvidos pelos pioneiros deste tipo de munições continuam válidos.
Texto: Evaristo Espada Moliner
Sabia‑se que para estabilizar uma bala era necessário que a mesma tivesse algum efeito de rotação, fazendo‑a assim alcançar o alvo com maior precisão e agrupando melhor. Tentou‑se dotar os canos de características que visavam imprimir esse movimento de rotação às balas, confirmando a perda de prestações com os cartuchos de projéteis múltiplos, principal objetivo das espingardas caçadeiras. Até que surgiu a ideia de abordar a questão desde o ponto de vista do projétil, trabalhando a sua forma, repartição do peso e alargando a sua massa.
Bala Brenneke
A bala Brenneke foi idealizada pelo alemão Wilhelm Brenneke (daí o seu nome) em 1920 e assenta no seguinte conceito; um projétil composto por duas partes, a frontal em chumbo, que incorpora “sulcos” paralelos longitudinais inclinados de modo a imprimir o necessário movimento de rotação para manter a sua trajetória estável, e uma parte posterior que utiliza uma bucha (taco) de feltro e cartão, aparafusada à parte frontal. Quando o senhor Brenneke criou esta bem‑sucedida bala, pensou que os sulcos desenhados na parte frontal (no projétil de chumbo) imprimiriam o efeito de rotação no interior dos canos lisos e durante a trajetória até ao alvo de modo a conseguir precisão de tiro e bons agrupamentos. Mais tarde comprovou que os tais sulcos longitudinais, embora imprimissem uma certa rotação ao projétil, não eram suficientes para a desejada precisão de tiro. A solução encontrada foi adicionar a referida parte posterior (em feltro e cartão) que serviu de contrapeso e “leme” estabilizador do projétil. Mesmo assim os níveis de precisão eram relativamente limitados, ao que não ajuda os órgãos de mira habitualmente disponíveis nas armas de cano liso. As balas de caçadeira também padecem da falta de energia cinética. Sabemos que a quantidade de energia libertada no corpo de uma rês beneficia do valor da massa (que é alto) mas é prejudicado pela sua velocidade, embora provoque danos importantes na massa muscular e óssea das peças mais duras de cobrar.

Bala tipo Sabot
Com o passar do tempo foram surgindo no mercado vários tipos de balas, com desenhos diferentes conseguindo melhorar os resultados alcançados pelas soluções mais antigas. Algumas balas foram concebidas para serem disparadas em espingardas com canos estriados, uma solução cada vez mais disponível neste tipo de armas em calibres originalmente pensados para canos lisos. As balas tipo Sabot possuem uma espécie de “contentor” em plástico que envolve o projétil, abandonando‑o ao sair pela boca do cano. Este contentor plástico, ao apanhar as estrias do cano, consegue dotar o projétil de um efeito de rotação que se mantém depois de abandonar o cano, conseguindo uma maior precisão e mais energia. Existem algumas variações do conceito inicial Sabot, como a bala Winchester Partition Gold Slug, que devido à sua construção particular pode também ser utilizada em canos lisos dotados de chokes abertos. Existe ainda outro projétil que vale a pena descrever; trata‑se da bala Flecha Sauvestre, tecnicamente muito moderna e muito distinta das restantes balas para espingarda caçadeira. Foi idealizada por um engenheiro francês de nome Sauvestre e o perfil desta bala é muito semelhante ao de um torpedo, com ranhuras transversais no Sabot plástico e a terminar com uma “cauda” com quatro “lemes” em plástico. Este projétil está colocado no interior de um invólucro plástico (Sabot) separado em duas partes, as quais se separam à saída do cano, seguindo a bala a sua trajetória. Pode ser utilizado em espingardas com canos de todo o tipo e chokes e, pelo seu perfil, alcança grande velocidade e precisão de tiro. Um caçador que conheça bem a sua espingarda e que tenha esta equipada com um bom aparelho de pontaria, consegue cobrar com facilidade uma rês a 90 ou 100 metros.

O projétil
Consideramos o calibre 12; as balas têm uma massa de 30, 32 ou 34 gramas e uma velocidade inicial (à boca do cano) a rondar os 45 metros por segundo. Utilizando estes valores padrão, concluímos que uma bala de calibre 12 tem um valor elevado de energia (superior a 4.000 Joules à boca do cano). No entanto, uma bala de 32 gramas tem prestações balísticas limitadas (queda na trajetória e perda de velocidade), mesmo assim possui grande capacidade de penetração numa peça de caça maior. Quanto à precisão de tiro e capacidade de agrupamento, o resultado depende do tipo de bala e de cano utilizados. O segredo de uma boa bala de caçadeira, quando disparada por um cano liso, está na sua capacidade em imprimir o necessário movimento de rotação (ainda no interior do cano) e depois na estabilidade durante a sua trajetória. Para resolver este último ponto (estabilidade) é muito importante que a bala, que é consideravelmente maior do que uma bala de carabina nos calibres mais comuns, consiga um bom equilíbrio entre centro de gravidade e peso. Mesmo tendo em conta a evolução dos projéteis e dos canos das espingardas, há que ter em conta os limites razoáveis para precisão, que ronda os 75 metros com a maioria das balas.
Canos estriados em espingardas
Um cano estriado num calibre de arma de cano liso (12, 20, etc.) consegue imprimir ao projétil o movimento de rotação para que este tenha um maior equilíbrio durante a sua trajetória. Existem distintas soluções apresentadas pelos fabricantes de espingardas, embora a que melhor resultado garante seja o cano estriado em todo o seu comprimento. O fabricante também terá de procurar o correto passo de estrias para o comprimento de cano e tipo de bala que se pretende disparar. Convém esclarecer que estas estrias nunca vão “agarrar” o projétil como acontece num cano de uma carabina e, portanto, as prestações balísticas de uma bala de calibre 12, 20 ou outro concebido para cano liso, nunca serão comparáveis às das balas disparadas por carabinas.
O choke estriado
A relativamente baixa ou média velocidade que possuem as balas que aqui tratamos no interior de um cano torna possível que, por efeito de fricção, o chumbo utilizado no seu fabrico não fique “soldado” à alma do cano. Por exemplo, esse problema poderá surgir quando as velocidades superam os 650 metros por segundo. Depois temos ainda algumas balas que estão “envolvidas” num invólucro plástico (o Sabot). Seja com uma bala em que o chumbo toca no cano ou com Sabot é possível imprimir a estes projéteis um maior movimento de rotação utilizando um choke estriado num cano de alma lisa. Com este tipo de solução consegue‑se um melhor nível de prestações balísticas. Mais uma vez, o ideal será fazer alguns testes de modo a encontrar o modelo de bala que melhor prestação desenvolva na sua espingarda com o referido choke estriado montado.

Agrupamentos
Hoje os proprietários de carabinas de caça andam loucos com os agrupamentos de tiro. Vamos definir o agrupamento como a capacidade que possui uma bala de alcançar a zona letal de uma rês sem realizar variações de pontaria. É disso que se trata, colocar as balas, sem fazer correção de pontaria, na zona letal de uma peça de caça maior! Selecionando bem as balas (de conceção mais adequada ao cano de determinado modelo de espingarda) podemos conseguir agrupamentos bem próximos dos 5 centímetros a 50 metros de distância e de 10 centímetros a 75 metros. Salvo alguns projéteis e armas com canos “especiais” bala, podemos considerar os 75 metros de distância como a distância máxima eficaz de uma bala de caçadeira, pois a partir dessa distância a parábola de queda do projétil é acentuada. Mesmo conservando uma boa energia cinética, a queda do projétil e o erro humano de pontaria tornam difícil manter agrupamentos dentro da zona letal.
O tipo de arma
Se a espingarda que utilizamos é de apenas um cano (como as semiautomáticas) temos a vantagem de não ter de jogar com a convergência de tiro, o que acontece nas espingardas de dois canos. Além disso, uma semiautomática permite‑nos montar o choke mais adequado e… já está. No caso de uma arma de dois canos, teríamos que montar dois chokes iguais, que será praticamente impossível virem no equipamento original da espingarda. Também pode acontecer que com uma espingarda de dois canos ou chokes diferentes se consiga fazer bons agrupamentos com regularidade, diremos que isso é uma peculiaridade da balística, que por vezes parece ultrapassar toda a lógica.











