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Varetos

by Pedro Vitorino

Em praticamente todas a montarias na Península Ibérica encontramos a regra de poupar os varetos de veado. Será esta uma medida de gestão, e preocupação com as populações da espécie, ou apenas uma tradição muito enraizada na cultura ibérica?

Vamos começar por uma questão muito simples; o que é um vareto? Há veados que desde o primeiro ano têm pontas nas suas hastes. Ou seja, em lugar das duas “varas” (por isso “vareto”), que é o mais comum, têm várias pontas em cada uma das hastes. A questão é saber se também devemos chamar varetos a estes veados.

Vareto e primeira cabeça

Chamam-se varetos aos veados que em lugar de hastes com pontas têm cada uma das suas hastes com uma “vara” simples, sem pontas. Ao veado, chama- -se vareto não por ter um ano de idade, mas sim pelas “varas” que são as suas hastes. Sobre isto não há discussao possível. Também é indiscutível que os veados a partir do seu primeiro ano têm “cabeça” (existem javalis sem “boca”, mas não veados sem cabeça), de forma a que com a expressão “primeira cabeça” nos estamos a referir aos veados que têm pela primeira vez hastes, sendo “segunda cabeça” quando é o segundo ano que têm hastes, etc. A primeira cabeça distingue- -se das seguintes por carecer de rosetas. Tenham hastes com mais pontas ou simplesmente as “varas”, na sua primeira cabeça o veado não mostra rosetas (base das hastes). Os elementos comuns são a idade e a ausência de rosetas. Se queremos falar com conhecimento sobre este tema, apenas devemos chamar varetos aos veados de primeira cabeça que apenas mostram varas (hastes sem pontas); aos veados cujas primeiras hastes têm pontas deveremos chamar “veados de primeira cabeça”, e nunca varetos.

Caçar varetos?

Nem nos devemos atrever! Desde as primeiras montarias com autorização para caçar veados que sempre nos “ensinaram” a proteger os varetos, portanto, a não caçar os exemplares que pelas suas hastes sem pontas são claramente um veado de primeira cabeça. Na realidade, estamos a proteger um juvenil, da mesma forma que protegemos as crias dos animais de caça maior (inclusive de javali, sendo comum a recomendação – ou interdição – para não atirar sobre “listados”). Por vezes, quase excecionalmente, quando os monteiros presentes revelam experiência e sabedoria sobre o tema (veados e suas cabeças/hastes) é dada autorização, como medida de gestão, o abate de varetos cujas hastes não superem (consideravelmente) a altura das orelhas. Supostamente (como veremos adiante), esses veados revelam uma genética insuficiente para o desenvolvimento de boas hastes no que a pontas, comprimento e grossura diz respeito no futuro.

Um bom vareto

Coloca-sa então a questão; o que é um bom vareto? Frequentemente ouvimos a definição de um bom vareto como sendo aquele cujas hastes superam em comprimento a altura das orelhas. Mas vou colocar a questão com um exemplo prático! Vejamos, temos uma cria nascida de uma cerva coberta por um determinado veado, num ano de escassez alimentar; no ano seguinte, filho da mesma cerva e do mesmo macho, temos uma cria nascida num ano de abundância alimentar. Será natural que a cria que encontre maior qualidade e quantidade de alimento venha a desenvolver hastes de maior porte. Atualmente há estudos que confirmam que um veado nascido num ano mau (de pouca comida) pode vir a desenvolver hastes de qualidade, se tiver a genética adequada. A disponibilidade alimentar provoca variação na qualidade das hastes, por isso alguns gestores evitam caçar bons troféus em anos de grandes secas primaveris (período do ano em que as hastes estão em desenvolvimento), preferindo aguardar um ano, ou dois, se necessário, para que os exemplares desenvolvam melhores troféus. Sendo assim, torna-se ainda mais pertinente a questão; o que é um bom vareto?

Caçar ou não caçar

A caça de batida (ou montaria) é uma forma de regular os excedentes populacionais das espécies cinegéticas de caça maior, ou seja, têm um claro objetivo de controlar efetivos de forma a manter populações estáveis (sem incremento ou decréscimo) ou inclusive de reduzir essas mesmas populações. Os únicos países onde encontramos a tradicional interdição para caça de exemplares jovens são Portugal e Espanha. No resto da Europa, onde existe uma maior experiência de gestão das espécies cinegéticas de caça maior, a caça de batida é bastante direcionada aos exemplares mais jovens; crias e juvenis. Os critérios são claros; primeiro as crias do ano, depois as crias do ano anterior (varetos, quando machos) e, só depois, outro tipo de animais com características bem definidas.

Princípios éticos

A tradição da montaria na Península Ibérica obedece a princípios éticos muito específicos, assentes numa tradição venatória e muito pouco em critérios de gestão cinegética. Por exemplo, nunca caberia na cabeça de um caçador germânico assistir a um agarre com uma faca de remate… antes com arma de fogo e muita cautela, para salvaguardar os cães e rapidamente acabar com a vida da rês agarrada. Na nossa cultura ibérica “entrar ao remate” será o ponto alto da montaria para o monteiro que tenha essa oportunidade.

Afinal devemos caçar varetos ou não?

A realidade em Portugal (e em certa medida em Espanha) é bem diferente da que encontramos na Europa Central, de Leste e do Norte, onde as populações de animais de caça maior são frequentemente alvo de censos e se sabe exatamente (não é exagero) o que se caça, especialmente quando se fala de veados (Cervus elaphus). Por cá, julgo que na maioria das zonas de caça em que se abatem “bonitos veados de montaria” seria preferível caçar varetos em vez de exemplares de 3ª, 4ª ou 5ª cabeça. Ao caçarmos estes veados adultos mas ainda com troféus longe do seu auge, dificilmente iremos ter uma população de exemplares com futuro promissor no que diz respeito ao troféu.

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